Alcides de Moura Torres Junior, conhecido como Scot, é uma figura de destaque no cenário da pecuária brasileira. Engenheiro agrônomo formado pela ESALQ-USP, é analista e consultor de mercado com mais de 30 anos de atuação na cadeia de pecuária de corte, leite, grãos e insumos agropecuários.
Diretor-fundador da Scot Consultoria, é membro do conselho consultivo de diversas empresas do setor e atua como palestrante, facilitador e moderador de eventos do agro. Também escreve artigos para diversas publicações da área, dentre elas a Revista Coopercitrus.
Em entrevista exclusiva, Scot compartilha sua visão sobre o cenário da pecuária e as perspectivas para 2024, bem como a importância das cooperativas e informações confiáveis para ajudar os produtores rurais nas tomadas de decisões.
Coopercitrus — A pecuária passou por um de seus piores momentos do mercado em 2023. Quais foram os fatores que ocasionaram esse cenário e quais são as lições que esse momento deixou?
Scot — Todos os produtos agrícolas, sem exceção, têm um ciclo de preço. Agora, em 2023, a pecuária de corte vive um momento de ciclo de baixa no Brasil. Isso já era previsível, mas o que não era esperado era o tamanho desse buraco. A cotação da arroba do boi gordo em São Paulo, por exemplo, viveu seu pior momento no mês de agosto, com arroba custando R$ 195 no mercado interno. A partir do mês de setembro o preço melhorou. Em virtude do período festivo de final de ano, com pagamento de férias, décimo terceiro e bonificações, devemos ter uma melhora de preços devido ao alto consumo de alimentos. Em 2024 deveremos ter um mercado mais hostil e, em 2025, os preços voltam a reagir. Isso vai acontecer de fato? Não sei. Mas, se fizermos uma retrospectiva do que aconteceu nos últimos anos, isso deverá acontecer nesse ritmo e espaço de tempo. Este ano foi dramático porque o mercado veio de preços extremamente altos provocados pela pandemia. Os chineses compraram pesadamente do Brasil, que foi um dos raros países do globo que honrou todos os compromissos de entrega de alimentos. Nós entregamos tudo que foi contratado das commodities agrícolas. Com o aumento das exportações, os preços subiram. O Brasil, graças à nossa estrutura rural agrícola, conseguiu ter alimento para a população brasileira e um excedente suficientemente grande para a exportação. A lição que tiramos disso é a importância de fazer seguro de preço, trabalhar com mercado de opções e observar o mercado. Por exemplo, a cotação da arroba do boi caiu, mas também caiu a cotação dos bovinos para reposição. Foi um ótimo momento para investir nessas áreas com a genética desses bovinos. Na fase de alta de preços aumentou muito a venda de sêmen, o que significa melhoramento genético e aprimoramento da raça. Quem se preparou deverá estar com o rebanho muito bom, precoce e que agrega mais peso quando o ciclo de alta estiver restabelecido.
Coopercitrus — Qual é a importância da informação confiável para o produtor rural pecuarista?
Scot — Hoje em dia temos a democratização da informação através da internet. Mas, com o advento do telefone celular, todo mundo hoje pode publicar o que bem entende. Por isso, existe muita gente fazendo torcida no mercado. Ao invés de ter informação real de preço, de oferta, de escala e de abate, tem pessoas fazendo torcida para o preço subir, outras pessoas torcendo para o preço cair. Existe muita especulação e, com isso, a circulação de informação fica corrompida. Certamente, a informação de preço que não existe fará com que o pecuarista perca tempo e oportunidade. É preciso buscar a boa informação através de veículos sérios; assim, é possível fazer uma análise a longo prazo e conjuntural do negócio. Se desconfiar daquela informação com base na sua experiência de vida, procure uma terceira ou quarta opção. A fonte de informação tem que ser aquela que tradicionalmente já produz bons conteúdos.
Coopercitrus — Um dos desafios para a produção pecuária que vem impactando o mercado é a redução da emissão de carbono. A produção sustentável pode remunerar melhor o produtor? De que forma?
Scot — Qualquer atividade que não é sustentável deixa de existir. E, na pecuária de corte brasileira, nós produzimos com sustentabilidade por vários fatores. Primeiro, focamos no bem-estar animal; o nosso bovino é majoritariamente criado a pasto. O bovino que está no pasto é tratado, recebe vacinas, medicamentos e fica solto, passando a vida inteira saudável, diferente dos sistemas de produção adotados na União Europeia ou nos Estados Unidos, onde 98% do rebanho é confinado. O nosso sistema de confinamento não é tão intensivo quanto nos Estados Unidos. No Brasil se trabalha a pecuária intensiva na medida do possível, pois o boi criado em pasto é o sistema mais barato. Do ponto de vista econômico, o nosso bovino é o mais competitivo do mundo. Temos ainda a parte social, e a pecuária emprega até mais pessoas do que a produção vegetal. Temos o vaqueiro, o empreendedor, o engenheiro, o consultor e o trabalhador rural, que são pessoas com um tipo especial e de uma riqueza nacional que é pouco valorizada. Na parte ambiental, o Brasil, por lei, já obriga o produtor a manter as áreas de preservação. Só essa dose de sacrifício do empreendedor rural já merecia um Nobel de conservação de solo que o planeta deveria dar ao Brasil. Nenhum outro país faz isso e nenhum país desenvolvido sequer toca nesse assunto, porque é uma afronta ao direito de propriedade dos agricultores. Além disso, o Brasil utiliza métodos de produção conservacionistas, como o plantio direto. Nas regiões onde é possível, praticamos de duas a três atividades na mesma área. Isso é inimaginável no mundo de clima temperado; aqui é possível, numa mesma área, ter uma produção vegetal e animal graças às técnicas que vêm sendo desenvolvidas desde a década de 1970 até hoje, e que dão reputação para o Brasil na produção de uma agricultura sustentável.
Não podemos esquecer de falar do etanol, que advém da cana-de-açúcar. Temos álcool anidro na gasolina, melhoramos a qualidade da gasolina. Temos o álcool hidratado, veículo bicombustível e temos ainda o etanol de milho. Do etanol de milho sai DDG (ou grãos secos de destilaria) para alimentação animal. Na cana, produzimos etanol e açúcar. Do bagaço, geramos energia que alimenta o sistema sucroenergético. Isso não é sustentável? Isso não é economia circular? Vemos pessoas que não conhecem as nossas atividades ou que conhecem, mas têm má índole, dizendo que o Brasil não tem uma agricultura sustentável. No ponto de vista de relacionamento globalizado, só o agro brasileiro é o grande participante e estamos conectados com o planeta. O agricultor é moderno, e essa figura que se tratava de um cara atrasado ficou no quadro desenhado pelo Monteiro Lobato na década de 1940. Está na hora de escrevermos a história do agro brasileiro atual, que é tão boa quanto o que é desenvolvido pelo mundo. Agora, temos um problema econômico, pois produzimos a soja, a carne e o frango mais baratos do mundo e incomodamos todos esses sistemas de produção estabelecidos no planeta. E eles vão inventando regras para manter o terceiro mundo em terceiro lugar. Então, a África tem que continuar sendo a África, o Brasil tem que ser uma republiqueta de bananas e as populações indígenas têm que continuar caçando de arco e flecha. Isso tudo é muito confortável para quem está em Paris, Nova Iorque ou Londres, mas para o Brasil é um desastre. O nosso produto entra no mercado porque é bom, é saudável e é barato. O Brasil bateu 322 milhões de toneladas de grãos. Os números mágicos eram para o Brasil ser um participante no combate à fome mundial, ou seja, ajudar a amenizar a crise de alimentos e de energia. Nós já superamos isso pelo segundo ano consecutivo.
Coopercitrus — Como as cooperativas podem ajudar os produtores rurais a lidar com os desafios e aproveitar essas oportunidades?
Scot — As cooperativas são excelentes. Elas têm o poder de aglutinar os produtores de maneira organizada, dando força ao coletivo e balizando o mercado. As cooperativas, inclusive, são um mecanismo de preservação dos agricultores de pequeno e médio porte. Hoje, no Brasil, a maioria da população vive nos grandes centros urbanos e precisamos alimentar esse povo. O alimento não pode subir de preço, porque influi na inflação, no poder de compra, no bem-estar. Quanto menor a inflação, maior a riqueza. Então, o alimento é um fator que os governos ficam enlouquecidos para que seja produzido muito e barato. Para produzir muito e barato, somente com fazendas de grandes escalas industriais. No Mato Grosso tem fazenda de 80 mil e 100 mil hectares, com máquinas que começam a trabalhar em um período e só desligam o motor depois de três meses de semeadura. Em função dessa escala que o mercado impõe o pequeno e o médio produtor perdem escala e tentamos encontrar alternativas de produção com alto valor agregado, que também atende a uma parcela da população. Portanto, as cooperativas dão a possibilidade de manter as características de uma pequena e média propriedade, vendendo em conjunto, como se fosse um produtor de grande escala — e é possível comprar em grande escala.
Coopercitrus — Por fim, qual é o recado que você deixa para os pecuaristas, no que eles devem se atentar e nos que eles devem evitar?
Scot — Pela nossa experiência, a maior dificuldade que a pecuária enfrenta é não saber o custo de sua produção. A pecuária é uma atividade complexa e é difícil mesmo saber. Então, o primeiro dever é ter uma boa contabilidade para saber quanto está custando a produção por hectare. A outra sugestão é se unir a grupos para fazer compra e venda, e é possível fazer isso através das cooperativas. Temos bons exemplos no estado do Paraná, com cooperativas muito bem administradas; algumas começaram com 10 hectares, conseguiram até um frigorífico e estimularam o confinamento, comercializando e entregando o produto o ano inteiro. No período de entressafra o boi vale mais, e no período de safra vale o preço da safra. O pecuarista entendeu que essa é uma mecânica saudável que permite que ele se perenize na produção. Se o pecuarista estiver passando por grandes dificuldades, pois temos uma concentração compradores, a cooperativa é a resposta para esse cenário. A outra sugestão é usar os mecanismos de gestão de risco. Por que todo o risco do mercado tem que ficar em cima do produtor? Então, quando ele calcula o custo de produção, já pode fazer a venda futura e trocar a produção por milho, bezerro, medicamentos veterinários. Dentro desse protocolo é possível administrar de maneira racional, escapando das oscilações de mercado. O que o pecuarista deve evitar é informação duvidosa e má administração. A briga entre pecuaristas e frigoríficos também deveria ser evitada. O foco deve ser monitorar o varejo, pois é onde a margem fica.