Um dos principais precursores do cooperativismo no mundo, Roberto Rodrigues foi nomeado Embaixador do Cooperativismo pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2012 e vencedor do prêmio Rochdale, na Inglaterra, oferecido pela Aliança Cooperativa Internacional (ACI).
Engenheiro Agrônomo pela Esalq-USP e produtor rural com vasta experiência no agronegócio, Rodrigues coordena o Centro de Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas e atua como professor e pesquisador em importantes instituições acadêmicas. Também ocupou cargos de destaque, como Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento entre 2003 e 2006, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG) e da Sociedade Rural Brasileira, além de ter sido secretário de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.
Também é reconhecido por sua contribuição ao meio ambiente, à conservação do solo e à produtividade. Sua visão abrangente sobre o cooperativismo e o agronegócio, juntamente com sua liderança inspiradora, são temas que serão explorados nesta entrevista sobre o setor e os desafios enfrentados atualmente.
Coopercitrus – Como o cooperativismo tem contribuído para o desenvolvimento do setor agropecuário brasileiro ao longo dos anos?
Roberto Rodrigues – O Brasil teve um extraordinário crescimento na área de cooperativas agropecuárias porque elas uniram os produtores e os pequenos passaram a ter acesso à tecnologia. O produtor rural brasileiro acreditou na tecnologia e aumentou sua produtividade com ajuda das políticas públicas. Se não fossem as cooperativas, os pequenos produtores teriam sido massacrados pelo processo da competitividade. O cooperativismo serviu como ponte para que o pequeno produtor crescesse, pois passou a ter melhores oportunidades para comercializar seus produtos no mercado internacional — e os grandes, naturalmente, se serviram do mesmo processo e cresceram juntos. O segundo ponto é mais recente e voltado à transformação da economia tradicional para a economia verde com a descarbonização. Eu considero que o principal desafio da humanidade do século 21 será a oferta de alimentos de qualidade para uma população crescente, sem destruir os recursos naturais. Isso leva a três grandes temas, que são segurança alimentar, a segurança energética e a questão climática e ambiental. Todas essas questões serão resolvidas pela agricultura. No Brasil, 16% da matriz energética vem do agro: etanol de milho e cana-de-açúcar; biodiesel de soja, de sebo bovino, de palma; os bioinsumos gerados nas granjas suínas e de frango que alimentam toda a produção. E o agro que vai resolver as questões da fome, da energia e das mudanças climáticas é o agro do mundo tropical, que tem terra para crescer, e que tem como líder o Brasil. O cooperativismo contemporâneo tem três grandes ambições. A primeira é criar escala para que o pequeno cresça e sobreviva; a segunda é cuidar da questão digital ligada ao tema da descarbonização e a terceira é assumir um papel de protagonismo no contexto do mundo polarizado.
Coopercitrus – Diante desse cenário, quais são os desafios das cooperativas do setor agropecuário?
Os desafios são universais, são os mesmos para todo o mundo. O desafio contemporâneo mais sensível para a agricultura é entender o que vem pela frente. Quero montar uma área de conhecimentos para discutir variáveis que interfiram no processo econômico na agricultura. O que é que vai acontecer no mundo daqui a 20 anos? Quem vai plantar e colher o quê? Quem vai consumir o quê no mundo? Quais são as variáveis que interferem na renda rural no Brasil e no mundo? A estratégia é olhar para frente. Lamento muito que no Brasil não tenhamos essa visão estratégica; resolvemos tudo apagando incêndios. Estamos crescendo espetacularmente, mas sem nenhuma estratégia. De 1990 para cá a produção de grãos cresceu em virtude da tecnologia, empreendedorismo e de políticas públicas, mas, se não tivesse havido demanda, não teria essa produção. Tem que fazer acordo comercial. E se o mundo plantar mais, como é que vai ser daqui para frente? É preciso fazer uma avaliação rigorosa das vertentes que interferem no processo de produção e comercialização — e, portanto, de preço e de renda. Outro ponto é que o processo da descarbonização leva a competitividade internacional a ser apoiada na sustentabilidade, ou seja, um produto que não for sustentável em sua produção não vai ser aceito. A sustentabilidade é elemento-chave para a competitividade e precisamos formar gente para trabalhar com sustentabilidade. Estamos caminhando para máquinas agrícolas que vão operar sem tratoristas e drones. Os equipamentos que vão funcionar na área da conectividade. As cooperativas precisam se transformar em agentes de conectividade para que o pequeno e o médio produtor tenham o mesmo acesso à inovação que o grande. Tenho participado de várias feiras e ficado muito impressionado com a quantidade de inovações que existem no mundo agrícola. Isso começou com a Agrishow e as feiras agrícolas que a Coopercitrus organiza, são espetaculares. Para entender a tecnologia é preciso ter uma equipe especializada e é nesta direção que as cooperativas têm trabalhado, oferecendo a mesma condição aos produtores.
Coopercitrus – Qual é a importância da intercooperação entre as cooperativas e órgãos governamentais para o desenvolvimento do agronegócio no país?
Roberto Rodrigues – O papel do estado liberal é garantir igualdade e oportunidade, e a cooperativa é um aliado do governo liberal. O que diferencia um país desenvolvido de um país não desenvolvido é o grau de organização dos seus cidadãos. Quanto mais organizados são seus cidadãos, mais transparente, democrático e justo é o país. O governo precisa mais da cooperativa do que as cooperativas precisam dele. A cooperativa e o governo têm que ser irmãos e a fraternidade é o ponto no relacionamento. A intercooperação é um dos sete princípios do cooperativismo e é o menos cumprido no mundo. O que acontece muitas vezes em organizações estatais ou privadas é que o bom líder acaba sendo muito elogiado e acredita que é insubstituível — e não pratica a intercooperação como tem que ser. Se considerar mais importante que o outro inibe a intercooperação. Mas é uma questão absolutamente prioritária no mundo atual: a cooperativa não é feita para liderar em tudo, mas tem que se alinhar sob a ótica da doutrina com aqueles que fazem a mesma coisa.
Coopercitrus – Como o senhor vê o envolvimento das futuras gerações aos princípios e práticas do cooperativismo?
Roberto Rodrigues – Vejo uma juventude não muito preocupada com o futuro. E, neste processo, o que me incomoda é a educação. O que transformou a Coreia, a Indonésia, países muito mais pobres que o Brasil, há 30 anos? A educação maciça. Sem gente capacitada, não fazemos nada. É preciso ter pessoas preparadas, habilitadas e motivadas. Então, tenho impressão de que a educação no Brasil foi ficando para trás, pois não houve investimentos rigorosos. Penso que nós estamos vivendo um tempo em que a informação está disponível para todos a qualquer momento, mas a formação, não. Eu sonho muito com investimentos e educação para formar recursos humanos capazes de enxergar muito além do individualismo. O jovem é, por natureza, idealista e sonha com o conjunto, em ajudar e contribuir. Se o jovem perder essa visão e se transformar também numa fonte de egoísmo, de interesses particulares e privados, o futuro é trágico. Como o cooperativismo é uma doutrina socioeconômica lastreada no amor e na justiça, ela é uma doutrina que será como uma luva à natureza humana. Mais do que nunca é preciso espargir o cooperativismo para todo o mundo. Todo mundo tem que saber o que é o cooperativismo, como funciona, para se sentir atraído pelo processo de ajuda mútua que realmente salva setores e países inteiros. Se isso não acontecer, nós vamos sacrificar o futuro. Não há futuro sem educação, sem estudo e sem formação. Muito mais do que informação, tem que ter formação, competência para discutir qualquer assunto e poder resolver problemas quando eles surgirem.
Coopercitrus – A Coopercitrus tem investido na formação dos futuros profissionais do agro, através da Fundação Coopercitrus Credicitrus. Qual é a sua visão sobre o papel das cooperativas para mitigar essa lacuna que existe entre as futuras gerações no envolvimento desse princípio?
Roberto Rodrigues – As cooperativas devem fazer isso. O exemplo da Coopercitrus é formidável e deve ser seguido por todo mundo. O cooperativismo é uma bandeira de bondade. Se não tiver gente jovem pegando na bandeira, uma hora o velho cai e a bandeira cai. Tem que formar gente. Sempre me incomodei muito com a falta da presença das mulheres nas cooperativas. Toda cooperativa tem que ter mulher no Conselho de Administração e no Conselho Fiscal, porque a mulher tem a capacidade de preservar as vitórias obtidas que o homem não tem. Acho fundamental que as mulheres participem. Nem sempre elas conseguem acessar esses cargos porque há uma resistência masculina neste processo. Então, defendo intensamente a presença feminina e juvenil nos conselhos de Administração e Fiscal das cooperativas.
Coopercitrus – Qual a mensagem o senhor deixa para estes novos cooperados frente a essa realidade tão peculiar do agronegócio e do cooperativismo?
Roberto Rodrigues – Quando eu era presidente da OCB (Organização das Cooperativas Brasileiras), eu tinha duas grandes ambições: criar bancos cooperativos e mecanismos de formação de recursos humanos para as cooperativas. Em Guariba, a minha cidade, em 1973, faltava pessoas que gerissem o cooperativismo. Naquela época eu era diretor da ACI (Associação Comercial e Industrial) e consegui que a União Europeia financiasse uma viagem com 30 líderes brasileiros para conhecer a Europa. Nós ficamos 40 dias rodando a Europa, passamos pela Itália, França, Espanha, Holanda e Áustria para ver o cooperativismo nesses países. A cooperativa de crédito era desconhecida e, nesta fase, já tinha ajudado a fundar a Credicitrus. Fui na frente e durante uma semana fiz todo o percurso para preparar a turma. Participamos de uma reunião com alguns cooperados e eles nos explicaram como funcionava a cooperativa de crédito rural, taxa de juros, e todos ficaram admirados. Porém, o banco cobrava os mesmos juros que a cooperativa de crédito. Encontrei um grupo de quatro cooperados e perguntei qual era a vantagem de fazer parte de uma cooperativa de crédito, já que o banco cobrava a mesma taxa dos juros que a cooperativa de crédito. Eles responderam que, antes da cooperativa de crédito, os juros que o banco cobrava eram três vezes mais altos. A cooperativa de crédito mostrou que é possível viver com juros muito menores do que eles cobravam. Os bancos que não fizeram isso quebraram, porque ninguém mais pegava dinheiro com eles, já que os juros eram mais caros. A cooperativa balizou o preço do dinheiro. É assim que a gente deve pensar numa cooperativa. A cooperativa não é para ser melhor que ninguém, mas tem que balizar o mercado. Tanto quanto possível, ela tem uma condição melhor. O cooperativismo é uma doutrina, assim como o cristianismo. A cooperativa tem que ser entendida pelo cooperado que não é uma alternativa, ela é a única alternativa. E que ele é dono daquele negócio e o resultado vai voltar para ele no final do ano.