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Tendências no Agro: ESG é um caminho sem volta

A sigla ESG (Environmental, Social and Governance, que pode ser traduzida para Ambiental, Social e de Governança) está em evidência nas empresas e organizações. Ela representa uma nova exigência do mercado para uma atuação mais responsável em todos os elos das cadeias produtivas, assinalando a preocupação com o meio ambiente, as comunidades e uma gestão ética, transparente e responsável.

Em entrevista à Revista Coopercitrus, a chefe-geral da Embrapa Meio Ambiente, Paula Packer, ressalta que a agricultura sustentável é para que o pequeno, o médio e o grande produtor ganhem mais competitividade no mercado.

Pesquisadora da instituição desde 2010, Packer atua nos temas de agricultura e meio ambiente, com foco em pesquisas sobre mudanças climáticas e avaliação de sustentabilidade dos sistemas agropecuários com parceiros externos. Ela também é responsável pelas vertentes do Agro e do ESG no conselho consultivo do Polo de Inovação do interior paulista.

Coopercitrus – Hoje, fala-se muito sobre ESG. Como esse conceito impacta o agronegócio e a vida do produtor rural?

Paula Cada vez mais, as empresas vão precisar dessa comunicação, pois as pessoas estão pedindo. Elas estão com um olhar muito mais voltado para o meio ambiente, e o agro não deixa de ser uma empresa. Não adianta falar que sua empresa é sustentável, é preciso seguir os critérios e as medições. Hoje, o mundo clama por sustentabilidade. Daqui a pouco, no livre comércio, quem não tiver critérios de sustentabilidade não irá vender para ninguém. Falando sobre o “E”, nós temos uma relação com o meio ambiente que é umbilical. O ESG olha para questões como poluição, emissão de carbono, emissões de produtos químicos, metais tóxicos, embalagens, como se descarta os resíduos, se usa recursos naturais de forma sustentável e de forma economicamente viável; olha para a água, a terra, as árvores e vê as consequências que isso traz para a biodiversidade. A biodiversidade dentro desse contexto é bem nova, é a parte mais difícil de medir, mas ela está vindo com muita força no meio ambiental, no sistema de carbono, na eficiência energética, na agricultura sustentável e em edifícios verdes, porque nós temos um único planeta e precisamos cuidar dele. A letra “S” define o social. São empresas comprometidas com a responsabilidade social, que olham realmente para essa interação, para seus funcionários, seus clientes, a sociedade em geral e como pode fazer essa inclusão. Então, como essa inclusão pode ser feita? Superar as desigualdades e a discriminação.

E, por último, tem a governança, que está relacionada com aquilo que uma grande empresa já faz: administrar o negócio de maneira responsável. Ninguém vai se tornar verde se estiver no vermelho. O negócio tem que ser economicamente viável. O ESG tem esse olhar de agregação. No agro, o ESG é quem manda. O consumidor é o arquiteto das mudanças no agronegócio. Então, o consumidor, seja ele no mercado nacional ou internacional, está regendo essa nova mudança, essa integração do ESG dentro do agro.

Coopercitrus – Qual a importância das cooperativas e do cooperativismo nesse contexto?

Paula Quando olhamos o cooperativismo, trabalhamos em rede e, quando trabalhamos assim, nos tornamos mais fortes. Juntos somos mais fortes. A cooperativa agrega diferentes possibilidades no dia a dia do seu cooperado, muitas vezes de forma mais facilitada.

Os pequenos têm uma barreira de como acessar as tecnologias disponíveis, mas essa barreira está sendo vencida de várias formas. A cooperativa entra como um facilitador desse processo, estruturando-o. Isso porque o ESG também analisa métricas, e esses indicadores dentro da cooperativa podem facilitar seus cooperados. O olhar em rede propicia uma melhor aderência e uma melhor inserção, pois sabemos que o agro é extremamente resiliente às mudanças e isso ele vai ter que incorporar de uma forma ou de outra. A agricultura sustentável veio para o pequeno, o médio, o grande produtor, além das startups. Trata-se de um agro multifacetado e multidimensional, que abrange tudo, e a cooperativa é muito importante nessa fase para alinhar os critérios ESG.

Coopercitrus– Quais são as perspectivas de ESG para o setor rural brasileiro?

Paula No Brasil, o mais importante é toda essa revolução, a tropicalização da gestão, que são os indicadores. Não adianta usar indicadores que são usados na Europa ou nos EUA. O agro, desde 1960, foi se tropicalizando, e o ESG segue o mesmo processo com foco para o agronegócio. Independentemente do seu tamanho, o produtor tem que olhar para a sustentabilidade econômica e ambiental. O ambiental sem o econômico não funciona, ambos precisam andar juntos e, para o agro, é a mesma coisa. O ato sustentável deve impactar os resultados financeiros.

Na questão ambiental, os problemas que detectamos são: desmatamento e emissões de gás de efeito estufa, que impactam as mudanças climáticas. Isso tem uma pressão comercial tanto na parte de investidores como na de consumidores. Se o produtor não virar a chavinha, não venderemos mais. É necessário se adaptar para ter um agro sustentável.

A governança tem que ser uma administração transparente e responsável. Esses são os grandes motes do ESG e vai ser cada vez mais importante no agro, tanto para os investidores quanto para os consumidores.

O agro já está alinhado com a conservação dos recursos naturais, o manejo do solo e da água, a biodiversidade e o sistema de emissão de gases de efeito estufa. Sistemas que mitigam a emissão desses gases, temos a melhor medida pública em vários pontos.

Para a agricultura de baixo carbono, o plano ABC é uma prática para as políticas públicas ESG. A produção integra o código florestal, o Renovabio também são políticas públicas ESG. O que falta é integrar esses indicadores tropicalizados para obter um selo de sustentabilidade do Agro. Temos várias certificações, tanto ambientais quanto sociais e de governança, mas ainda não temos uma certificação que seja específica para ESG. As práticas da agricultura sustentável não são mais uma opção, são uma necessidade. Se não tivermos essas práticas, o negócio não vai conseguir chegar ao consumidor final.

Coopercitrus – Como as parcerias entre Embrapa e Coopercitrus favorecem o produtor rural a ter uma prática mais sustentável?

Paula A Embrapa Meio Ambiente, assim como todas as outras, tem possibilidades de cooperação numa pesquisa básica. Por exemplo, podemos desenvolver uma tecnologia ESG para setores produtivos que não a têm ainda, temos a possibilidade de cooperação em um projeto de pesquisa. Nós temos trabalhado muito com inovação aberta, cooperativismo e desenvolvimento tecnológico. É possível agregar valor da pesquisa com uma startup ou de pesquisa com a Coopercitrus.

São relacionamentos ganha-ganha. Não estamos mais trabalhando com validação, nem com testes de ganhos com produtos que já estão finalizados. O nosso foco é desenvolver tecnologia em conjunto. Em tese, a Embrapa desenvolve com a Coopercitrus um produto e vamos colocá-lo no mercado. A Embrapa precisa de parceiros para colocar a tecnologia no campo, a qual seja um benefício para os agricultores.

Coopercitrus – Como a Embrapa pode direcionar os produtores rurais para praticarem o ESG?

Paula A Embrapa trabalha com unidades de referência tecnológicas. Para o produtor rural que quer tornar sua fazenda sustentável, elaboramos um projeto de pesquisa para que ela se torne sustentável. Mas precisamos que esse produtor venha da Coopercitrus ou de um projeto de pesquisa CNPq (Programa de Apoio à Fixação de Jovens Doutores no Brasil), da Fapesp, por exemplo. Existem muitas possibilidades e trabalhamos com unidades de referência tecnológica dentro das 43 unidades da Embrapa. Temos projetos que estão sendo desenhados voltados para a agricultura sustentável.

Hoje, a fazenda que é referência de ILPF, a Santa Brígida, surgiu de uma cooperação com a Embrapa e tem nossas tecnologias. Um desenho de sistema agroflorestal ou diferentes desenhos em que a gente possa trabalhar numa integração com o produtor rural.

Coopercitrus Na prática, quais são os benefícios de ser ESG?  

Paula Voltamos aos pontos dos indicadores. A produção de café é um exemplo disso, porque tem seus indicadores bem definidos. Muitas vezes, tem a parte do café orgânico, não é sustentável e não vamos misturar. O café orgânico tem um direcionamento de não usar nada de defensivos químicos. Quando se fala em ESG, os indicadores estão num processo de definição e de tropicalização. É preciso ter realmente esses indicadores para a valorização do produto. Se o produto tiver selo de sustentabilidade, terá um peso e irá custar mais caro, mas ele também tem que ser economicamente viável. A nossa grande missão é tornar esses indicadores economicamente viáveis ao produtor.

O selo ESG proporcionará um retorno financeiro, pois o produtor vai vender mais, produzir mais, terá um solo mais fértil e com várias possibilidades que aumentam a produção, sem que isso o impacte economicamente, e é uma valorização do produto.

Coopercitrus Então as práticas ESG abrem a porteira para o mundo?

Paula Com certeza, o consumidor final está pedindo por isso. Nunca se falou tanto em meio ambiente como neste último ano em virtude dos problemas que o Brasil enfrentou na Coop 27. Há cinco anos, quem falava em Coop era só pesquisador, mas, hoje, a temática está na boca de todo o mundo. As pessoas estão com sede das práticas ESG e de certificações que realmente mostram um selo de sustentabilidade. São essas premissas que estão balizando toda a prática ESG.

Coopercitrus – Na sua visão, o que falta para os pequenos e médios produtores de fato aderirem ao ESG?

Paula A cooperativa pode ser um grande fomentador, porque pode fornecer possibilidades para os cooperados olharem para o ESG. Muitas vezes, essa mudança de paradigmas para o pequeno é mais difícil, porque ele acha que quebrá-los não vai fazê-lo ganhar dinheiro. Certa vez, eu estava no Nordeste observando uma prática de manejo sustentável. Um produtor me disse: “O agro é importante e, muitas vezes, se fortalece pela inveja”. Então, se um produtor adotar as práticas ESG, o seu vizinho irá observar que sua propriedade está melhor, mais produtiva e com rendimento melhor. Assim, o outro, mesmo movido pela inveja, irá fazer. Escutei essa análise de um produtor rural no meio da caatinga e nunca mais esqueci.

Existem outras possibilidades que chegam ao pequeno, como a transferência de tecnologia direto e essa é uma possibilidade dentro da cooperativa muito solicitada.

O governo tem um programa chamado Ater Digital, cujo objetivo é melhorar a renda e a qualidade de vida das famílias rurais, por meio do aperfeiçoamento dos sistemas de produção, de mecanismos de acesso a recursos, serviços e renda de forma sustentável. O foco é que esse programa tenha plataformas que mostrem isso ao pequeno produtor.

A Coopercitrus também mostra as possibilidades para os pequenos, médios e grandes, que são empresas, mas com tamanhos diferentes.

Coopercitrus – Qual é o primeiro passo para o produtor rural que quer adotar essas práticas?

Paula O mapeamento da propriedade, pois é necessário ter uma reserva legal e observar quais insumos está usando. Gosto muito do Plano ABC (Agricultura de Baixo Carbono), que é essa nova fase, olhar uma visão integrada da paisagem, o que está sendo feito e o que pode melhorar.  Como eu posso diminuir minha carga de químicos? Investir no bio? Então, olhar essa sinergia do bioinsumos, biorremediação, bioeconomia. Olhar para o bio e fazer essa sinergia é uma das grandes possibilidades. Mas temos que olhar caso a caso. É preciso começar com a diminuição da carga química, melhorar o solo, investir em sistemas integrados, Integração Lavoura Pecuária Floresta (ILPF), Integração Lavoura Pecuária (ILP), um sistema agroflorestal. É uma multifuncionalidade da agricultura hoje olhar para esses diversos parâmetros. Dentro da sua reserva legal, também pode trabalhar com uma silvicultura para ser rentável. Tem vários parâmetros para começar a olhar. Acho que essa integração das pesquisas com as cooperativas é um grande fomentador disso.

Coopercitrus – Qual mensagem você deixa aos cooperados que desejam aumentar suas práticas sustentáveis?

Paula – A agricultura mundial tem que ter um olhar muito refinado para o aumento da produção de alimentos, sem aumentar os impactos negativos ao meio ambiente. Esse é um desafio enorme da agricultura mundial, mas também da agricultura brasileira por conta do desmatamento. O agro está pagando um preço alto pelo desmatamento, que muitas vezes não causa, mas também tem seu impacto.  O agro é vítima e vilão ao mesmo tempo. É vilão porque impacta o meio ambiente, mas também é a vítima porque sofre diretamente com as consequências das mudanças climáticas. Se não olharmos para o agro sustentável, não iremos galgar novas possibilidades. O agro é o lastro financeiro do Brasil e é inegável.

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