Jorge Nishimura – Presidente do Conselho de Administração do Grupo Jacto
Engenheiro mecânico e presidente do Conselho de Administração do Grupo Jacto, Jorge Nishimura é uma das principais referências brasileiras em governança corporativa e sucessão familiar no agronegócio. Filho de Shunji Nishimura, fundador da empresa, Jorge liderou importantes transformações que profissionalizaram a gestão e garantiram a continuidade dos negócios. Para ele, o sucesso da Jacto se sustenta em dez valores essenciais, como foco no cliente, trabalho duro, desenvolvimento de pessoas e fortalecimento das relações familiares.
Defensor do planejamento sucessório como chave para a longevidade dos negócios, Jorge destaca a importância de iniciar conversas cedo, preparar gradualmente os sucessores e contar com apoio de mediadores experientes para preservar não apenas o patrimônio, mas também a história e os valores da família. Nesta entrevista à Revista Coopercitrus, ele fala sobre as origens da Jacto, os valores que moldaram sua trajetória, práticas de governança e conselhos para produtores rurais que buscam perpetuar seus negócios.
Jorge Nishimura – A história da Jacto começa com a vinda do meu pai, Shunji Nishimura, do Japão, motivada por uma grave crise econômica que afetava principalmente os jovens, que não encontravam oportunidades de trabalho. A família dele, que plantava chá, atividade comum na região onde nasceu, não conseguia sustentar todos os seis filhos com a agricultura. Por isso, ele precisou deixar a casa para ajudar a família a sobreviver.
Naquela época, surgiu uma organização chamada Rikkokai Foundation, que acolhia jovens pobres e oferecia educação e apoio econômico. Porém, a crise era tão severa que a fundação criou um programa para incentivar a emigração, buscando países com melhores oportunidades de trabalho. Inicialmente, o destino preferido era os Estados Unidos, mas, com a Grande Depressão, que durou de 1929 a 1939, e as restrições de imigração, a América Latina passou a ser o foco. Meu pai escolheu o Brasil, que oferecia facilidades para imigrantes.
Chegando aqui, meu pai enfrentou uma vida difícil. Técnico mecânico, trabalhou como “boia-fria” nos cafezais de Botucatu, realizando tarefas manuais no campo. Depois foi para o Rio de Janeiro, mas retornou a São Paulo, onde estudou português por cerca de um ano, até o dinheiro acabar. Nesse período, conheceu minha mãe na igreja ligada à Rikkokai Foundation.
Ainda em dificuldades, meu pai e alguns colegas abriram uma oficina de consertos em São Paulo, mas os recursos não eram suficientes para sustentar a família. Então, ele decidiu se mudar para Pompeia, no fim da linha da Estrada de Ferro, que era a nova fronteira agrícola na época. Em Pompeia, abriu uma pequena oficina mecânica, trabalhando com ferramentas manuais básicas. Com o tempo, adquiriu um equipamento de solda, o que permitiu realizar consertos mais sofisticados, inclusive em caminhões. Durante cerca de 10 anos ele sobreviveu assim, em um Brasil pós-guerra, com escassez de produtos e comércio internacional parado, pois as indústrias estavam focadas na produção bélica.
Nessa época, em Pompeia, um amigo vendedor sugeriu que ele fabricasse uma polvilhadeira, equipamento usado para aplicar fungicidas em pó no combate a pragas. Embora cético no início, meu pai, movido pelo espírito empreendedor e inovador, decidiu tentar. Com os poucos recursos que tinha, aproveitou uma lata de querosene de 15 ou 20 litros para montar a estrutura básica da polvilhadeira, com alavancas e ventiladores necessários para dispersar o pó.
Assim nasceu a primeira máquina feita por ele, batizada de Jacto. O nome surgiu pela semelhança do traço de pó que a máquina deixava, lembrando o rastro deixado por aviões a jato nos céus, a tecnologia mais avançada da época. O nome “Jacto” se consolidou ainda mais quando a empresa passou a atuar também na área de pulverização líquida, pois o termo é mais adequado para esse tipo de aplicação.
Coopercitrus – Como era a atuação no início da empresa?
Jorge Nishimura – A história da Jacto começa com a polvilhadeira que meu pai fabricava manualmente. Tudo era feito à mão, o que, para máquinas, é um problema, pois a qualidade varia muito. Diferente de sapatos feitos à mão, onde a variação pode até ser charmosa, em máquinas isso gera defeitos.
Por isso, no começo, os equipamentos davam problemas e as pessoas frequentemente traziam as máquinas para meu pai consertar. E esse cuidado fez a diferença: apesar de as máquinas não serem tão perfeitas quanto as importadas, os agricultores confiavam porque sabiam que, quando precisassem, meu pai iria consertar e devolver funcionando.
Esse suporte contínuo criou uma relação de confiança fundamental para o crescimento da Jacto. Todas as máquinas dão problema em algum momento. O diferencial está na disponibilidade de peças, na assistência técnica e na manutenção; nisso, sempre nos empenhamos muito. Essa dedicação ao cliente, esse cuidado, é parte essencial da história e do sucesso da Jacto.
Coopercitrus – Na sua opinião, o que fez a empresa chegar tão longe e continuar crescendo?
Jorge Nishimura – Em 2003, 55 anos após o início da Jacto, nós, irmãos que acompanhamos de perto o negócio, nos reunimos com um consultor para refletir profundamente sobre os motivos pelos quais a empresa teve sucesso e segue prosperando até hoje. Dessa reflexão identificamos dez valores fundamentais que, embora não expliquem tudo, ajudam a entender a razão do nosso sucesso.
Um desses valores é “cliente feliz”. Escrevi um livro sobre os valores do grupo e destaco que, se perdermos a capacidade de satisfazer nossos clientes, começaremos a perder nosso espaço no mercado. Não é a empresa que some sozinha, mas os concorrentes que nos ultrapassam se não atendermos bem.
Outro valor essencial é o trabalho duro como caminho para a prosperidade. Meu pai trabalhou muito para construir a Jacto e essa é a base até hoje. Não acreditamos em sucesso fácil ou oportunismo; o crescimento veio com esforço constante e dedicado.
Também valorizamos muito o desenvolvimento das pessoas. Acreditamos que o sucesso da empresa depende do crescimento dos colaboradores, tanto na formação técnica quanto pessoal. Meu pai foi influenciado pelo professor Nagata, que dizia: “Mais do que café, cultive o homem”. Isso significa que, além do trabalho, é fundamental formar caráter e valorizar as pessoas.
A Jacto é uma grande escola. Temos uma estrutura robusta de treinamentos técnicos e capacitação que atende mais de 10 mil pessoas anualmente, inclusive de outros países. Além disso, a Fundação Shunji Nishimura, criada pelo meu pai em retribuição ao Brasil, oferece educação desde o ensino infantil até superior, beneficiando cerca de 5 mil pessoas por ano numa cidade pequena.
Também fundei o Instituto de Desenvolvimento Familiar Chieko Nishimura, que há cerca de 10 anos oferece cursos e palestras para colaboradores e comunidade, com mais de 8 mil matrículas no último ano. O objetivo é fortalecer as famílias, pois sabemos que a estabilidade familiar é fundamental para o sucesso da empresa, abrangendo relacionamentos, finanças e escolhas vocacionais. Em resumo, além do trabalho duro e do empreendedorismo, foram esses valores, como o foco no cliente, o desenvolvimento humano e fortalecimento familiar que sustentaram a Jacto até aqui e garantem sua continuidade.
Coopercitrus – Falando sobre família, como foi crescer em uma família empreendedora e de que forma essa vivência influenciou sua visão sobre liderança e continuidade dos negócios?
Jorge Nishimura – Nossa família é bastante comum, não tem nada de extraordinário. Diria que é até mediana, mas alguns aspectos foram essenciais para o sucesso. Um deles é a unidade familiar. Meus pais sempre valorizaram muito isso. Minha mãe teve o hábito de nos reunir para almoçar juntos aos domingos por décadas. Era um momento simples, mas fundamental para fortalecer os laços. Família é importante, mas só é real quando há prática, convivência.
Essa união foi decisiva para superar crises, inclusive conflitos entre irmãos relacionados aos negócios. Houve momentos difíceis que quase levaram à separação, mas o compromisso de permanecer juntos e o pacto de unidade que fizemos nos sustentaram.
Outro ponto forte que veio do meu pai é o empreendedorismo. Crescemos imersos nesse ambiente, com a fábrica ao lado de casa, e ele sempre nos permitiu explorar, aprender e mexer nas máquinas. Isso despertou em todos nós a coragem para enfrentar desafios grandes, lutar e trabalhar muito para que a empresa desse certo.
Além disso, valorizamos muito as pessoas que fazem parte do nosso ecossistema, como família, empresa e comunidade. É fundamental ter um olhar generoso para os outros, entender suas necessidades. Quando pensamos só em nós mesmos, criamos conflitos. Um valor que adotamos é o “Bunpuku”, que significa “felicidade em compartilhar”. Egoísmo destrói, generosidade constrói.
Essa generosidade vem da experiência dos nossos pais, que viveram tempos difíceis no pós-guerra no Japão e, mesmo com pouco, enviaram ajuda para a família lá. Um exemplo simples, mas marcante, foi o envio de balas que, mesmo décadas depois, são lembradas como um gesto de carinho e amor.
Para mim, isso mostra que não é só o material que importa, mas o emocional, o espiritual, as conexões humanas. A empresa também precisa disso. Se uma empresa perde a alma, é como uma pessoa em coma, à espera do fim. Para sobreviver, uma empresa precisa cultivar essa alma, essa conexão verdadeira com as pessoas.
Coopercitrus – O senhor passou por um período afastado da empresa. Como foi essa experiência, os aprendizados que teve durante esse tempo e como foi o seu retorno?
Jorge Nishimura – Essa é uma história interessante e pessoal. Acredito que cada pessoa tem uma vocação única e essa singularidade deve ser valorizada, embora a empresa dependa da pluralidade e do coletivo.
Passei por uma fase muito difícil durante o período de hiperinflação no Brasil, que chegou a níveis altíssimos, e a Jacto enfrentava sérios desafios financeiros. Meu pai, preocupado com o futuro da empresa, fez uma intervenção inesperada e fui destituído do cargo de diretor industrial. Isso foi muito doloroso, especialmente porque aconteceu pelo meu próprio pai, com apoio dos irmãos, e sem uma conversa prévia.
Ficar fora da diretoria me levou a cuidar da empresa SunSplay, também do grupo, mas a família passou por um momento de crise e distanciamento que durou cerca de dois anos, um período muito difícil emocionalmente.
Com o tempo, decidimos que queríamos permanecer juntos e reconstruir nossas relações. Para isso, contratamos um consultor que nos ajudou a estabelecer um acordo de acionistas e criar um conselho de acionistas. Fui eleito o primeiro coordenador desse conselho e passei a trabalhar na governança corporativa da empresa. Foi uma transformação positiva: apesar da dor inicial, esse afastamento me levou ao lugar certo, onde pude atuar por mais de 20 anos, estruturando a governança da Jacto, que hoje é referência nesse aspecto.
Agora, enquanto encerro essa longa trajetória, percebo que esse foi meu propósito: atuar na governança e contribuir para a sustentabilidade da empresa e da família. Embora o trabalho seja exaustivo, lidar com conflitos e relações familiares é desgastante, sempre foi muito gratificante e me trouxe grande satisfação.
Quando estamos no lugar certo, tudo flui melhor: produzimos bons resultados e encontramos felicidade. É assim que me sinto hoje, encerrando esse ciclo em outubro, com a certeza de ter cumprido um papel importante na história da Jacto.
Coopercitrus –Governança é um conceito que hoje é difundido, mas nem sempre foi comum em empresas familiares. Quais práticas de governança o senhor considera decisivas para o sucesso na transição do Grupo Jacto? E que lições podem inspirar outras empresas e famílias que trabalham juntas?
Jorge Nishimura –A governança corporativa é um tema relativamente novo, especialmente no Brasil. Quando começamos a organizar nossos conselhos em 1993, praticamente não havia referências na academia nem no mercado. Globalmente, a governança surgiu para proteger acionistas e investidores, especialmente após casos como o de uma grande empresa nos EUA que quebrou por má gestão, deixando fundos de pensão e aposentadorias comprometidos.
A governança se estruturou com a criação de conselhos de administração formados preferencialmente por pessoas independentes, responsáveis por acompanhar e fiscalizar a gestão da empresa, garantindo transparência e evitando fraudes.
Na Jacto, embora não sejamos uma empresa de capital aberto, adotamos esse modelo como se fôssemos, criando inicialmente o Conselho de Acionistas, que funciona como nossa constituição familiar. Depois, formamos o Conselho de Administração para acompanhar estratégias, investimentos e planejamento do grupo.
Também implementamos uma auditoria independente que assegura que os números apresentados nos balanços sejam confiáveis. Isso é fundamental para a credibilidade da empresa.
Com o tempo, a governança foi evoluindo e incorporando novas demandas do mercado, como a responsabilidade social e ambiental, hoje representadas pelo conceito ESG. A governança também exige organização rigorosa dos dados e compliance com regras que previnem crises, como o combate ao trabalho infantil.
Na prática, mantemos reuniões regulares e um planejamento estratégico para curto, médio e longo prazo, alinhado à missão da empresa. Isso evita decisões impulsivas e confusão interna, pois todos sabem para onde estamos caminhando.
Por fim, zelar pelos valores da empresa é fundamental. Perder os valores é, a meu ver, perder a empresa ao longo do tempo. A governança traz segurança e estabilidade, e embora às vezes exija processos mais lentos, essa segurança permite ir mais longe juntos. Como diz o ditado, “sozinho se vai mais rápido, mas juntos se vai mais longe.”
Coopercitrus – Muitos cooperados da Coopercitrus têm negócios familiares e estão enfrentando ou iniciando processos de sucessão. Que conselhos o senhor poderia dar a eles sobre as práticas adotadas pela Jacto que possam inspirar e orientar essa transição?
Jorge Nishimura – Sucessão significa continuidade, e é muito triste ver grandes empreendimentos, especialmente familiares, como propriedades rurais, que não conseguem passar para as próximas gerações. Muitas vezes, esquecemos o enorme sacrifício que nossos antepassados fizeram para construir esses negócios. Essa base inclui conhecimento, valores e relacionamentos que não podem se perder.
Infelizmente, poucas empresas sobrevivem além da terceira geração; cerca de 30% chegam à segunda geração, e menos de 10% à terceira. Isso representa um ciclo constante de construir e destruir, o que é uma grande perda para a sociedade, pois o crescimento e a continuidade trazem muitos benefícios.
O principal desafio está nos relacionamentos familiares, especialmente entre pais e filhos. O recado para os pais é que todos têm um ciclo de vida e é fundamental preparar a sucessão gradativamente, criando espaço para os filhos assumirem responsabilidades. Não se trata de entregar tudo de repente, mas de conversar e preparar essa transição ao longo do tempo.
É importante também reconhecer que ninguém é imortal, e aceitar a finitude da vida é necessário para o planejamento sucessório. Quando bem preparada, a transição tem muito mais chances de sucesso.
Recomendo que esse diálogo comece o quanto antes, mesmo que a sucessão ainda esteja distante. São conversas difíceis, pois envolvem temas como perda de poder e morte, mas são essenciais para preservar o legado familiar, que vai muito além de bens materiais, envolvendo valores e vínculos.
Além disso, é comum que esses assuntos não surjam naturalmente na família. Por isso, contar com a ajuda de uma pessoa neutra, como um consultor ou mediador, pode facilitar o diálogo, ajudando a levantar questões difíceis e a alinhar expectativas.
Na nossa família, esse apoio externo foi fundamental para superar conflitos e construir continuidade. Se não tivéssemos conseguido, teríamos perdido muito, inclusive o impacto social positivo que a Jacto tem hoje, beneficiando milhares de pessoas. Esse exemplo vale para qualquer negócio familiar, independentemente do tamanho. Continuar o legado traz inúmeros benefícios para a família e para a sociedade.
Coopercitrus – Qual mensagem poderia deixar para os cooperados da Coopercitrus?
Jorge Nishimura – A parceria com a Coopercitrus é antiga e muito valiosa para nós. Sabemos que nos negócios há sempre diálogos e conflitos, mas uma relação verdadeira se fortalece quando podemos discutir abertamente e pensar juntos no futuro, sempre focados em atender bem os cooperados. A Jacto compartilha essa visão de buscar a satisfação do cliente, e por isso guardamos essa relação com muito carinho, pois ela cresce e se fortalece com o tempo.
Estamos finalizando nosso segundo livro sobre filosofia, no qual reconhecemos o papel da minha mãe. Embora minha mãe nunca tenha trabalhado diretamente na Jacto, ela foi fundamental para a existência da empresa. É importante valorizar as figuras que, mesmo invisíveis aos olhos, contribuem enormemente para o sucesso e a prosperidade das organizações.
Deixo um grande abraço a toda a Coopercitrus. Estamos muito felizes em ter parceiros como vocês e esperamos continuar trabalhando juntos por muitos anos, pois essa colaboração é muito positiva para todos nós.