Doença pode causar perdas superiores a 45% de produtividade e exige atenção redobrada no diagnóstico e no planejamento da colheita
A Síndrome da Murcha da Cana (SMC) tem se intensificado de forma gradativa nos canaviais, sendo caracterizada pela presença de colmos murchos. A doença pode causar redução significativa de TCH (tonelada de cana por hectare) e ATR (açúcar total recuperável), podendo resultar em perdas superiores a 45%, além de comprometer a qualidade da matéria-prima.
Colmos murchos e secos podem ser indicativos de várias doenças e pragas, como o ataque de cigarrinha-das-raízes (Mahanarva fimbriolata), broca-da-cana (Diatraea saccharalis), bicudo-da-cana (Sphenophorus levis) e também de fungos, como Colletotrichum falcatum (podridão vermelha), Phaeocytostroma sacchari e Pleocyta sacchari (podridões de casca ou azeda), e Fusarium spp. (murcha de Fusarium).
Visando melhor entendimento sobre a ocorrência de tal doença, conversamos com o professor e pesquisador da Unesp de Jaboticabal, Antônio de Góes.
Em quais regiões a doença está presente?
Infelizmente, a doença tem sido constatada em todos os estados produtores de cana-de-açúcar. Nos trabalhos que temos realizado, seja por meio de visitas técnicas, inspeções ou experimentos, observamos a presença da SMC em todas as variedades, em todos os tipos de solo e sob diferentes condições de manejo.
Em praticamente todas as áreas, é comum que a maior intensidade da doença ocorra no outono, agravando-se no inverno, coincidindo com o período de maturação da cana-de-açúcar.
Estivemos no Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, em ações conduzidas pelo CEPENFito (Centro de Pesquisa em Engenharia e Fitossanidade em Cana-de-Açúcar), com apoio de pesquisadores do IAC (Instituto Agronômico de Campinas). Também já registramos a doença em estados como Pernambuco, Alagoas e Tocantins, tanto em áreas irrigadas quanto em sequeiro, e em canaviais orgânicos e não orgânicos.
A doença tem sido encontrada inclusive em áreas com bom controle de pragas e em cana de primeiro corte. No entanto, é mais frequente e severa em regiões onde o manejo fitossanitário apresenta falhas.
Quais fatores favorecem a SMC?
Diversos fatores podem contribuir para o agravamento da SMC. Já realizamos ensaios com fungicidas químicos e biológicos, avaliamos fertilizantes e estamos testando cerca de 60 variedades nos estados de São Paulo e Goiás. Até o momento, nenhuma das alternativas testadas demonstrou eficácia significativa.
Com o advento da mecanização, prática extremamente positiva para o setor, a quantidade de palhada nos canaviais se elevou. Embora traga benefícios agronômicos, esse material também pode funcionar como ambiente favorável à sobrevivência dos agentes causais da SMC, como Colletotrichum falcatum e Phaeocytostroma sacchari.
A predominância desses fungos pode variar entre áreas, podendo inclusive ocorrer de forma simultânea. Além disso, está em nosso radar a participação de outros patógenos, como Fusarium, frequentemente presente em áreas com alta incidência de murcha.
Como identificar a murcha no campo?
É fundamental que os produtores compreendam com precisão quais são as doenças envolvidas e como elas se manifestam nas diferentes áreas e variedades.
É necessário diferenciar a murcha causada por pragas, como broca e cigarrinha, da autocompetição entre plantas ou das infecções fúngicas, como as provocadas por Fusarium ou Phaeocytostroma. Como não há, atualmente, uma estratégia eficaz de controle, o monitoramento da área é essencial para verificar a presença e a evolução da doença.
Nas avaliações de campo, sugerimos a análise de três pontos espelhados de 10 metros por gleba. Esse monitoramento deve começar, preferencialmente, no mês de abril. De forma geral, ao se constatar 15% de colmos com sintomas, recomenda-se definir rapidamente a logística para a colheita antecipada.
Com base em nossa experiência, sabemos que a evolução da doença pode ser rápida, principalmente em função de fatores ambientais e do estágio de maturação da cana. Identificar precocemente os sintomas permite agir com agilidade e reduzir perdas significativas.
Quais são os sintomas visuais?
No caso de infestação por cigarrinha, geralmente encontramos espuma ou o próprio inseto na touceira, descartando a SMC. Quando se trata de Sphenophorus, o dano é visível na base da planta após a remoção da touceira. No entanto, pode haver ocorrência simultânea de murcha e ataque de pragas.
Quando a murcha é provocada por fungos, os primeiros sintomas surgem na parte externa do colmo, com perda de cera e de brilho. Essa cera se solta facilmente em placas. Em cortes longitudinais, no caso de Colletotrichum, observam-se caneluras — estrias e ranhuras bastante evidentes.
O murchamento provocado por Colletotrichum ocorre de forma rápida, afetando tanto a parte externa quanto a interna do colmo. Já em casos de Phaeocytostroma, o murchamento é mais lento, e o tecido interno do colmo apresenta-se encharcado nas fases iniciais.
Colletotrichum coloniza as fibras da planta. Já Phaeocytostroma degrada a sacarose e produz dextrana, provocando uma fermentação intensa, perceptível pelo cheiro forte exalado. O odor associado ao Colletotrichum é menos intenso.
Com o uso de uma lupa de bolso (10x a 50x), é possível identificar as estruturas dos fungos na parte externa do colmo:
- Colletotrichum: presença de setas pretas, rígidas e visíveis.
- Phaeocytostroma: frutificações ovaladas com halo claro, circundando as lesões.



Como proceder no controle da murcha?
Fungicidas podem ser utilizados como ferramenta complementar, mas seu uso isolado, seja na palhada ou na fase de brotação, não garante a eficácia desejada.
A recomendação é adotar as melhores práticas de manejo agrícola, que envolvem o uso de microrganismos benéficos, adubação equilibrada, controle de pragas e estímulo à biodiversidade do solo.
Em áreas de cultivo contínuo de cana-de-açúcar, é comum observar desequilíbrio na flora microbiana do solo, o que pode favorecer o desenvolvimento dos patógenos. Estimular a atividade biológica do solo é essencial para restaurar sua saúde e competitividade contra fungos patogênicos.
Assim como no organismo humano, uma planta bem nutrida e manejada adequadamente desenvolve maior resiliência. Isso não impede que ela seja acometida por doenças, mas reduz sua frequência e intensidade.
Portanto, recomendamos que o produtor avalie o canavial com frequência, acompanhe a evolução da doença e, sempre que necessário, antecipe a colheita como forma de evitar perdas maiores.
Como podemos evitar?
A prevenção é o caminho mais eficaz. Para isso, é fundamental a adoção de estratégias de manejo integrado, alinhadas às boas práticas agrícolas já consagradas para melhorar a produtividade (TCH e ATR).
Entre os pontos mais relevantes, destacam-se:
- Preparo adequado do solo;
- Uso de mudas de alta qualidade e procedência confiável, etapa muitas vezes negligenciada;
- Controle rigoroso de pragas e doenças;
- Planejamento do uso da palhada, evitando seu acúmulo excessivo sem manejo adequado.
O ambiente também pode influenciar, e a presença da doença está associada, em grande parte, ao acúmulo de inóculo ao longo dos anos.

Então é mais prevenção do que correção?
Sim. O manejo da Síndrome da Murcha da Cana exige uma abordagem preventiva e integrada. Assim como no organismo humano, uma planta bem nutrida, manejada em ambiente equilibrado e com boas condições sanitárias tende a apresentar maior resistência às doenças. Quando os cuidados essenciais estão presentes, desde o preparo do solo, escolha da variedade, nutrição equilibrada até o controle eficiente de pragas, a lavoura se torna mais resiliente frente aos desafios sanitários.
Uma planta vigorosa e bem conduzida terá, naturalmente, maior capacidade de defesa frente aos agentes causais da murcha. A prevenção continua sendo o melhor caminho.
Como identificar e agir diante da Murcha da Cana
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Avaliação em campo
- Iniciar o monitoramento a partir de abril.
- Avaliar três pontos espelhados de 10 metros por gleba.
- Observar colmos murchos, secos e eretos, sem sinais de pragas.
Diagnóstico
- Verificar perda de brilho e cera do colmo.
- Realizar cortes longitudinais:
- Colletotrichum: caneluras visíveis e desidratação rápida.
- Phaeocytostroma: colmo encharcado e odor forte.
- Utilizar lupa:
- Colletotrichum: setas pretas rígidas.
- Phaeocytostroma: frutificações ovaladas com halo claro.
Tomada de decisão
- Ao atingir 15% de colmos com sintomas, iniciar o planejamento para colheita antecipada.
Boas práticas de prevenção
- Usar mudas de procedência segura.
- Garantir preparo de solo adequado e correção.
- Adotar manejo integrado de pragas e doenças.
- Planejar o uso da palhada, evitando acúmulo excessivo.
Autores
Fábio Cordeiro – Especialista em cana-de-açúcar da Coopercitrus
Prof. Dr. Antônio de Góes – Professor adjunto da UNESP – Jaboticabal








