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A família, os sonhos e os negócios: os desafios da sucessão familiar

Viviani Silva Lirio

Muitos empreendimentos agropecuários nasceram de sonhos acalentados pelos seus fundadores e esses sonhos foram aguerridamente defendidos, cuidados e consolidados ao longo de muitos anos de dedicação e esforço. Em meio a todo esse processo de construção de negócios, em que se mesclam realidades cotidianas, famílias cresceram e o desejo de perpetuar os frutos desses esforços com os herdeiros surgiu como um processo natural. Natural, mas, muitas vezes, de difícil efetivação, fazendo que a sucessão familiar seja pauta temática de muitos fóruns, debates e ambientes de discussão sobre as vivências do agro no Brasil.

Em um estudo recente, desenvolvido pela Fundação Dom Cabral em parceria com a JValério Gestão e Desenvolvimento, intitulado “Governança e gestão do patrimônio das famílias do agronegócio”, a sucessão familiar foi apontada como um dos principais desafios das empresas do agronegócio brasileiro por 26 % dos entrevistados. Entre os negócios vinculados à agricultura, 66 % tinham algum plano sucessório e, na pecuária, esse número não chegava a 20 %. Isso mostra tanto a dificuldade em compreender a importância do tema — em sentido prático de sua programação — quanto exibe os tabus que rondam o assunto.

Além disso, uma das grandes questões, nesse âmbito, é a gestão patrimonial. O mesmo estudo referenciou que apenas 38 % dos entrevistados acreditam que os familiares estão preparados para a gestão patrimonial, ao mesmo tempo em que apontou esse tema com grande relevância nas discussões — cerca de 70 % dos respondentes. Esses dados, somados à realidade de dúvidas dos herdeiros quanto à vocação, abrem espaço para a efetiva reflexão sobre a necessidade de se planejar a transição sucessória nas propriedades rurais, considerando a possibilidade de inclusão de terceiros no comando administrativo.

Nesse contexto, organizar a governança familiar exige pragmatismo e objetividade e, simultaneamente, cobra o enfrentamento de sonhos acalentados ao longo de muitos anos. A observação das habilidades e qualificações de potenciais sucessores, a identificação de pontos nevrálgicos na linha sucessória e, acima de tudo, o planejamento da sucessão com a gradual cessão de controle devem ser incorporados como ações administrativas concretas. Nesse processo de governança — afinal, trata-se de governança, em essência —, é preciso criar alguns pontos de assentamento:

(a) boa comunicação e transparência;

(b) ética;

(c) respeito às diferenças;

(d) proatividade e visão de futuro;

(e) capacidade inovativa.

Boa comunicação, transparência e ética são elementos primazes em quaisquer processos de governança, mas, ao se pensar em um planejamento sucessório, no qual é preciso remover tabus e criar espaço ao diálogo aberto, essas condições são fundamentais para que se possa reconhecer a importância do respeito às diferenças. No processo de sucessão, é desejável que o novo gestor tenha um olhar diferente para algumas questões relevantes, sem que isso represente um revés à lógica administrativa.

Nesse mesmo sentido, visão de futuro e proatividade são primordiais para o empreendimento que tiver por meta a manutenção e o crescimento em um ambiente cada vez mais dinâmico e complexo, o que nos leva ao último elemento: a capacidade inovativa. Inovar é mais que criar, é ousar a construção de alternativas a problemas que surgem em novos ambientes, exigindo criatividade e flexibilidade.

Todos esses atributos podem parecer um excesso de exigência, e talvez sejam, todavia, o ambiente do agro, na atualidade, exige isso. A sucessão familiar planejada, programada e estruturada de maneira clara e organizada, mais do que um desejo de perpetuação de um negócio familiar, passa a ser uma questão de sobrevivência empresarial, reconhecidamente desafiadora, mas potencialmente exitosa para os negócios, para o setor e para o país.

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