Um dos maiores cientistas internacionais da atualidade que estuda o agronegócio mundial, o pesquisador e professor Marcos Fava Neves, compartilha sua visão sobre o papel do Brasil no panorama mundial como fornecedor sustentável de alimentos e energia renovável.
Fava Neves é autor e organizador de 75 livros publicados em 10 países, e mais de 200 artigos em periódicos científicos internacionais e nacionais. É articulista de diversos veículos de comunicação — dentre eles, a Revista Coopercitrus. Atento à importância da formação de profissionais especializados para atuarem no agro, o professor é um dos sócios da recém-lançada Harven Agribusiness School, faculdade com foco no setor.
Em entrevista exclusiva, Fava Neves ressalta a importância de trabalhar adequadamente a imagem do agro brasileiro, investir em ações sustentáveis, controlar problemas recorrentes como desmatamento ilegal e conquistar cada vez mais mercados.
Coopercitrus – Quais são as principais estratégias que os cooperados da Coopercitrus devem se atentar para garantir uma produção bem-sucedida na safra 23/24?
Marcos Fava Neves – Nos últimos 30 anos, acompanhei de perto a transformação do perfil tanto da Coopercitrus quanto dos produtores rurais. Inicialmente, tínhamos uma área de laranja que exercia um papel dominante nas operações da cooperativa. No entanto, com o surgimento do cultivo de cana-de-açúcar e, posteriormente, a entrada dos grãos nas áreas de rotação, vimos essa predominância se diversificar. Acompanhei a expansão da Coopercitrus para outras regiões, aquisição de outras cooperativas e esse crescimento constante em direção ao Cerrado. É muito interessante perceber como essa evolução é resultado de uma oportunidade única que se abriu para a agricultura brasileira ao longo dessas últimas três décadas. Quando me formei, em 1991, o Brasil ainda era importador de diversos produtos agrícolas e a nossa balança comercial era negativa. Porém, nesse período, vimos o Brasil se tornar líder em diversos setores. É fascinante observar o trabalho excepcional que foi realizado recentemente, contando também com o protagonismo da Coopercitrus e de seus cooperados. Nos últimos 4 anos, o Brasil aumentou praticamente 15 milhões de novos hectares e produziu 70 milhões de toneladas de grãos a mais. É um momento muito bom de crescimento. No entanto, este ano trouxe desafios significativos para os produtores, principalmente devido aos altos custos. Muitos entraram na safra com despesas elevadas, e esta foi a primeira vez em que os preços realmente caíram. Essa queda foi influenciada, em parte, pela guerra na Ucrânia e pela questão da seca. Neste momento, estamos observando um cenário muito mais promissor para esta safra, com os custos de produção reduzidos de 20% a 30%. Provavelmente, o Brasil deve registrar uma grande produção de soja e aumentar mais de um milhão de novos hectares. No entanto, nossos colegas americanos estão enfrentando desafios nesta fase final e os argentinos também sofreram perdas. Ainda assim, acredito que os preços se manterão estáveis. Para os produtores de cana, as perspectivas são positivas. O petróleo está em alta, há escassez de açúcar no mundo e o El Niño está causando problemas climáticos na Tailândia e na Índia. Os produtores podem esperar um valor de ATR mais alto em abril de 2024, tornando-se mais competitivos nos próximos anos. Para concluir, o cooperado precisa lembrar de cinco características que podem transformá-lo em um vencedor: A primeira é a gestão financeira, cuidar do caixa e do endividamento. O segundo é trabalhar com excelência operacional, produzindo com eficiência, e neste ponto, o produtor pode contar com o Campo Digital. A terceira é controlar os custos, anotar, comparar e cortar gastos. Temos produtores que têm uma lavoura excelente, mas estão altamente endividados; e temos outros que estão com as finanças em dia, mas não são agricultores de excelência. Essas três características precisam ser aplicadas para obter uma boa rentabilidade, mesmo com os preços menores. A quarta característica está relacionada à liderança. Cada vez mais o produtor terá que ser um líder, formar grandes equipes e adotar políticas de retenção de talentos. Considero que a mão-de-obra é um dos maiores problemas do agronegócio brasileiro. O produtor terá que implementar políticas de compartilhamento de resultados para atrair os talentos. Por fim, a última característica é a fidelidade total ao cooperativismo, participar da associação e fortalecer o sindicato para que tenhamos uma força política cada vez maior, uma economia de escala, e possibilitar que a Coopercitrus cresça cada vez mais, principalmente na agregação de valor — algo que, em São Paulo, ainda temos muito espaço para conquistar.
Coopercitrus – O agronegócio brasileiro tem um papel significativo no mercado global. Como você avalia a percepção dos outros países em relação ao agronegócio brasileiro atualmente? Quais são os principais fatores que influenciam essa percepção?
Marcos Fava Neves – Nos últimos 25 anos, tive a oportunidade de fazer apresentações em grandes fóruns e universidades sobre o que é o agronegócio brasileiro. Sempre foi uma apresentação aguardada, porque o Brasil tinha aquela ideia de potencial futuro. Agora, o potencial do futuro chegou. O imenso crescimento que o Brasil teve em diversas áreas acabou chamando a atenção. Tenho percebido um grande respeito pelo Brasil e um crescente interesse em explorar as oportunidades de investimento aqui existentes. O Brasil, como um todo, melhorou, enquanto nossos concorrentes pioraram. Outros locais do planeta têm enfrentado problemas climáticos recorrentes, como é o caso da Argentina, e questões políticas, como as taxações sobre exportação, além da confusão cambial envolvendo o dólar em relação à soja, milho e carne bovina. A Ucrânia e o Leste Europeu são vistos como uma grande alternativa para o abastecimento. No entanto, é importante observar a instabilidade daquela região. A África, que era vista como alternativa para o crescimento global, está afundando cada vez mais em graves problemas, como conflitos tribais. À medida que a África cresce e se urbaniza, sua necessidade de importar alimentos aumenta. O Brasil emerge como a plataforma mais adequada para o crescimento necessário da produção mundial de grãos, estimado entre 30 e 40 milhões de toneladas por ano, e de seis a sete milhões de novos hectares por ano, em um mercado que precisa aumentar sua produção. O Brasil é o lugar onde essa produção pode crescer de forma absolutamente sustentável. Hoje nós temos uma vantagem, com 240 milhões de hectares, considerando pastagens, cana-de-açúcar e toda a área de grãos. Faço projeções de um grande crescimento nos próximos 10 anos, onde o Brasil pode agregar cerca de 20 a 25 milhões de novos hectares sem aumentar sua área, simplesmente melhorando a tecnologia para a segunda safra, na precocidade, irrigação e aumentando a conversão de pastagens em safras de grãos, algo que já vem acontecendo em cerca de um milhão de hectares por ano. Hoje, temos um estoque de pastagens que permite ao Brasil crescer de uma forma mais aceitável para o planeta. No setor agrícola, o Brasil é como o campeão da Champions League, visto por quem produz como referência em inovações, especialmente na agricultura tropical, com startups, bioinsumos e tudo o que permite uma gestão cada vez mais eficiente das propriedades no Brasil por metro quadrado — e não mais por hectare, sistematizando e obtendo resultados muito melhores.
Coopercitrus – Existem outros caminhos que o Brasil precisa aprender para se desenvolver mais?
Marcos Fava Neves – O que mais nos preocupa atualmente é a questão dos fertilizantes. O Brasil importa quase 80%, o que impacta negativamente. Também importamos muitos produtos químicos e princípios ativos usados em defensivos agrícolas. Além disso, há importações de lácteos, que prejudicam tanto o preço ao produtor quanto o mercado interno. O trigo está revertendo esse quadro, mas ainda contribui com importações, assim como algumas máquinas e tecnologias. É lamentável que tenhamos que gastar tanto com royalties pelo uso de sementes e tecnologias, resultado da maior rapidez na pesquisa e desenvolvimento em outros países. Esses são pontos que precisamos reverter para fortalecer o agronegócio em sua capacidade de gerar renda para o Brasil e promover o desenvolvimento sustentável, incluindo mais pessoas. Existem setores em que o Brasil tem grande potencial de exportação, mas ainda tem uma pequena participação, como o setor de hortaliças, a fruticultura e até mesmo o trigo, no qual o Brasil pode se tornar um exportador. Outra área em crescimento é a dos pulses, que inclui grão-de-bico, feijões, lentilha e outros produtos. Também temos pescado e, agora, o crescimento da tilápia e outros peixes importantes, nos quais o Brasil está muito aquém na participação do mercado internacional. Além disso, temos frango, suínos e bovinos. São produtos que importamos e existem mercados internacionais com grandes demandas que não estamos aproveitando, devido a ineficiências em nossa produção, falta de agressividade no mercado internacional e organização insuficiente das empresas exportadoras. É uma série de fatores que representa grandes oportunidades de crescimento nas exportações para um plano estratégico para o nosso agronegócio. Os Estados Unidos, apesar de serem nosso concorrente na exportação de grãos, importam bastante. A importação de produtos agrícolas dos EUA continua a crescer e, nos próximos 10 anos, deve aumentar em US$ 100 bilhões, mas o Brasil ainda participa muito pouco desse mercado.
Coopercitrus – Como a exigência por mais sustentabilidade está afetando os produtores, especialmente aqueles de pequeno e médio porte, no setor do agronegócio?
Marcos Fava Neves – Precisamos considerar a chance da Coopercitrus e seus cooperados em atender os mercados mais exigentes. Se conseguirmos provar que as áreas dos cooperados da Coopercitrus aderem à política de desmatamento zero, poderemos abastecer esses mercados que impõem requisitos mais rigorosos e estarão dispostos a pagar um pouco mais, pois não haverá muitas áreas no mundo aptas a fazer isso. Se resolvermos nossos problemas ambientais, como o desmatamento ilegal, o Brasil tem potencial para ser reconhecido rapidamente como o país com a produção mais ambientalmente consciente do planeta. O desmatamento está diminuindo e os esforços do governo nessa direção são notáveis. Temos que lembrar que o Brasil possui muitos ativos ambientais. Não veremos a Europa atingir o nosso padrão tão cedo, apesar de suas críticas frequentes. Quando olhamos para o setor de energia renovável, o Brasil brilha com quase 50%, em comparação com a média mundial de 15%. Na eletricidade, temos 87% de energias renováveis, contra uma média mundial bem inferior. Nossos índices de biocombustíveis e preservação de terras, com dois terços completamente preservados, são impressionantes. O Código Florestal e o conjunto de práticas de agricultura regenerativa em que a Coopercitrus vem trabalhando, incluindo a gestão por metro quadrado, bioinsumos e Integração-Lavoura-Pecuária-Floresta, são componentes valiosos desse esforço. Precisamos comunicar isso mais amplamente no âmbito internacional, pois se abre uma grande oportunidade para o Brasil. Nosso ex-presidente não percebeu isso e foi alertado. O atual precisa compreender a importância de vender a imagem do Brasil como a solução sustentável para a fome global. Os produtores rurais brasileiros expandiram sua produção nos últimos quatro anos, assumindo riscos significativos em relação ao seu patrimônio. Alguns enfrentarão dificuldades agora, mas são verdadeiros heróis do planeta e merecem reconhecimento, até mesmo um Prêmio Nobel. Imagine como seria a situação mundial hoje sem os 175 milhões de toneladas de grãos que o Brasil produziu em apenas quatro anos. O Brasil é quem está resolvendo o problema da fome de forma sustentável e é isso que nosso presidente atual deve enfatizar.
Coopercitrus – Como você enxerga o desafio da capacitação profissional para os jovens interessados em atuar no setor agrícola e quais são as oportunidades para a Coopercitrus e outras organizações apoiarem o desenvolvimento desses talentos?
Marcos Fava Neves – A mão-de-obra representa uma das principais preocupações para o agronegócio brasileiro. No Brasil, estamos lidando com uma situação grave em que há uma escassez tanto em termos de quantidade quanto de qualidade em todas as atividades agrícolas. Recentemente, estive em Chapecó (SC) visitando fazendas de produção de suínos e frango. Nos frigoríficos do Brasil, temos cerca de 20 mil posições de trabalho em aberto e isso se aplica apenas aos setores de aves e suínos, excluindo a carne bovina. A situação se complica ainda mais quando se trata da colheita de café e laranja, onde a mão-de-obra qualificada é escassa e a situação está se agravando continuamente. Precisamos urgentemente mudar o paradigma das políticas públicas relacionadas à mão-de-obra. Por exemplo, atualmente, se uma pessoa assina a carteira de trabalho, ela perde o direito a benefícios assistenciais do governo. Isso tem limitado a disponibilidade de mão-de-obra em muitas regiões. Outra questão crítica é o número alarmante de jovens brasileiros, cerca de 10 milhões na faixa dos 15 aos 29 anos, que não estão procurando emprego, não estão estudando e, consequentemente, não estão contribuindo para o mercado de trabalho. Essa mentalidade é, em parte, resultado da educação que temos proporcionado. Muitos jovens estão focados em colher os frutos sem plantar as sementes, ansiosos por resultados sem esforço prévio. Isso afeta negativamente a produtividade do trabalho. É imperativo que o Brasil adote uma abordagem baseada na meritocracia e no reconhecimento do esforço individual. Além disso, precisamos reformular nossos sistemas educacionais, tornando-os mais orientados para as necessidades do mercado e incentivando o empreendedorismo. Mudanças são necessárias para a atração de talentos para o Brasil. Percebemos uma lentidão nesse processo e uma série de medidas precisa ser implementada para mitigar a escassez de mão-de-obra, sem mencionar a crescente automação. Quando a colheita mecanizada foi introduzida na produção de cana-de-açúcar, houve preocupações sobre o destino dos 300 mil trabalhadores que seriam substituídos. No entanto, esses trabalhadores foram realocados em outros setores como a construção civil e serviços, provando que a dependência de mão-de-obra manual para a colheita teria sido insustentável. O governo deve priorizar o fortalecimento das escolas técnicas e encontrar soluções para esses desafios. A mudança de paradigma nas instituições públicas de ensino superior é um processo que deve ser iniciado, pois investir na mentalidade dos estudantes em relação ao trabalho é fundamental. Na minha experiência de mais de 30 anos lidando com o sistema de ensino público superior, vejo a necessidade urgente de uma grande transformação. Essa é uma questão séria e complexa que não pode ser resolvida a curto prazo. Enquanto outras questões, como taxas de juros ou concessões de infraestrutura, podem ser abordadas com relativa rapidez, a educação e a formação de recursos humanos demandam uma abordagem de longo prazo. Precisamos urgentemente de uma mudança nessa mentalidade e estou profundamente preocupado com essa questão.
Coopercitrus – Essa preocupação foi uma das motivações para que você se envolvesse em projetos educacionais?
Marcos Fava Neves – Com certeza. Tenho uma vasta experiência tanto na USP quanto na FGV, além de meu envolvimento na Markestrat. Recentemente, fundamos uma nova instituição focada em educação. Essa escola oferece todo o conjunto de treinamentos que a Markestrat realiza nas empresas, incluindo programas presenciais e online. Além disso, ela oferecerá cursos de pós-graduação e graduação presencial em Ribeirão Preto (SP). Inicialmente, estamos lançando cursos que consideramos essenciais, como Administração com foco no agronegócio, Engenharia de Produção e Direito. Esses três cursos estão com o processo seletivo aberto, e os cooperados interessados podem obter mais informações clicando aqui. Uma boa notícia é que já estabelecemos uma parceria com a Coopercitrus para oferecer descontos nas mensalidades aos cooperados, seus filhos e netos. A Markestrat possui um renomado grupo de professores que atuam no mercado, ou seja, empresários que ministram aulas. Além disso, proporcionamos oportunidades de estágio em fazendas, uma experiência muito valiosa para a formação voltada ao agronegócio. Nossa visão é estabelecer uma escola líder mundial. De fato, meu sonho é que, em cinco anos, metade de nossos alunos seja composta por estrangeiros estudando no Brasil, trazendo recursos para nosso país. Pretendemos fazer com que o agronegócio brasileiro também se torne um exportador de mensalidades escolares, contribuindo para o desenvolvimento local.