Dr. Aires Vigo, advogado
O planejamento sucessório e uma boa governança garantem a preservação do patrimônio e o sucesso das próximas gerações no campo.
A sucessão familiar é um desafio enfrentado pelos produtores rurais, já que envolve questões delicadas como a transferência de patrimônio, a continuidade do negócio e a preservação da harmonia familiar. Para muitos, a falta de planejamento pode gerar conflitos entre herdeiros e comprometer o futuro da empresa.
Nesta entrevista à Revista Coopercitrus, o advogado especialista em direito empresarial e sucessório, Dr. Aires Vigo, explica como a governança e o planejamento sucessório podem ajudar a evitar esses problemas.
Ele detalha as estratégias que permitem que os produtores garantam uma transição tranquila, com menor impacto tributário e preservando o valor dos negócios. O Dr. Aires também aborda a importância de integrar os sucessores nas decisões enquanto o patriarca ainda está à frente, proporcionando aos herdeiros a preparação necessária para assegurar o futuro da empresa agrícola.
Coopercitrus — Muitos produtores rurais ainda veem a sucessão familiar como um assunto delicado, difícil de conversar com a família. Por onde começar esse processo para que a transição ocorra de forma tranquila e sem conflitos?
Aires Vigo — De fato, é um tema delicado e desconfortável de abordar em família. Por isso, sempre recomendo que o patriarca e a matriarca tomem a iniciativa. Os sucessores, os filhos, geralmente não se sentem à vontade para tocar em um assunto tão desagradável quanto a futura morte dos pais, que inevitavelmente chegará. O ideal é que o produtor reserve um tempo na sua agenda para conversar com um especialista ou com o advogado que já cuida dos interesses da família, tomando a iniciativa de colocar o tema na mesa. Isso ajuda a quebrar o paradigma e a vencer a resistência, que é prejudicial.
O primeiro passo é entender que ninguém é eterno. A melhor maneira de organizar a transferência de patrimônio é em vida, de forma inteligente, com o menor custo possível e com segurança jurídica adequada. Isso não só otimiza os resultados do negócio como também minimiza os custos envolvidos. Por exemplo, em vida, é possível criar uma estrutura societária para transferir o patrimônio imobiliário para essa estrutura. A partir daí, você estabelece um acordo de sócios onde as regras de convivência entre os herdeiros já ficam pré-definidas para quando o patriarca ou a matriarca não estiverem mais presentes.
Quando se faz a doação da participação societária, o patriarca pode reservar o usufruto. Isso significa que ele ou ela continua com o controle dos negócios, caso deseje, e recebendo a totalidade dos dividendos — o resultado do negócio. Além disso, essa é uma excelente oportunidade para que os sucessores comecem a participar tanto dos lucros quanto da operação do negócio, ajudando no trabalho e no desenvolvimento. Isso também agrega valor ao negócio.
Outro ponto importante ao falar de continuidade é garantir que o sucessor conheça o negócio. O planejamento sucessório não envolve apenas a transferência de ativos, mas também a inserção do sucessor nas atividades — mesmo que seja no Conselho de Administração, caso não haja tempo ou disposição para o dia a dia operacional. A continuidade não é apenas uma questão de passar os ativos, mas também sobre gerenciar as responsabilidades e os desafios que vêm com eles.
É importante deixar de lado qualquer preconceito em relação ao tema e tratar o assunto de maneira ampla, clara e realista. Isso facilita o processo, pois os sucessores passam a entender que, além da economia tributária, eles irão estabelecer regras para preservar tanto o negócio quanto o patrimônio. Sem esse planejamento, a falta do patriarca pode levar à abertura de um inventário, no qual os herdeiros se tornam proprietários da terra, e não da empresa. Nesse cenário, cada um pode reivindicar sua parte e exigir a divisão da propriedade.
A questão é que uma propriedade, quando dividida em quinhões, tende a perder valor, já que o tamanho da terra é um fator importante de barganha. Além disso, surgem questões práticas: quem ficará com qual parte? Como dividir tudo? Isso gera custos financeiros reais e conflitos emocionais, porque alguém sempre acaba descontente. Quando o patriarca organiza tudo enquanto está vivo, o processo se torna muito mais simples. Sem dúvida, falar de planejamento societário e sucessório é algo extremamente importante e saudável. Outro ponto que justifica ainda mais essa reflexão é a iminente reforma tributária, que praticamente dobrará a carga de impostos sobre doações e transmissões causa mortis. Hoje, quem paga 4% pode, no futuro, pagar 8%. Por isso, é essencial discutir o tema com um especialista para que o patriarca ou a matriarca possam tomar uma decisão bem-informada.
Coopercitrus — Quais são os erros mais comuns que os produtores cometem ao lidar com a sucessão familiar?
Aires Vigo — Não sei se podemos chamar de erro, mas o maior problema é a zona de conforto. Os produtores acabam deixando o assunto para depois, até que ocorre o evento da morte. Outro ponto é a dificuldade de abordar um tema que não é agradável. Além disso, o patriarca ou a matriarca podem conhecer bem o perfil dos filhos — alguns são mais dedicados, outros menos —, o que pode gerar um certo desconforto em organizar tudo. Isso faz com que o tema seja frequentemente adiado.
O problema é que, enquanto o patriarca está presente, ele mantém a autoridade, e isso gera uma convivência aparentemente harmoniosa. Quando ele falta, essa harmonia, que muitas vezes era apenas uma fachada, desaparece, e aí surgem os litígios e divergências. Infelizmente, já vimos muitos casos em que, por falta de planejamento sucessório, as famílias entraram em conflitos duradouros e hostis. Esse erro, de não acreditar que os problemas surgirão e deixar o planejamento para depois, pode se tornar muito grave, porque afeta diretamente o negócio e o patrimônio, levando todos a perder dinheiro. Em alguns casos, as brigas entre herdeiros duraram 20 ou 30 anos.
Coopercitrus — A questão tributária é sempre uma preocupação. Que tipo de planejamento pode ajudar nesse processo e preservar o patrimônio da família?
Aires Vigo — Hoje, o produtor rural, como pessoa física, paga cerca de 4,8% de imposto sobre a produção agrícola. Se a mesma atividade for praticada por uma pessoa jurídica, a carga tributária é praticamente a mesma. No entanto, no caso de arrendamento de áreas rurais ou locação, a diferença é significativa. Como pessoa física, o imposto de renda sobre locação ou arrendamento pode chegar a 27%, enquanto na pessoa jurídica é de apenas 15%. Por isso, do ponto de vista fiscal, é muito mais vantajoso migrar essa atividade para uma pessoa jurídica.
A reforma tributária também trará um aumento significativo na carga de impostos sobre doações e transmissões causa mortis, o que ocorre durante o inventário. Para se proteger desse aumento, a melhor solução é acelerar as doações. Quem doar hoje pagará 4%, mas quem esperar a reforma pagará 8%. A analogia que costumo fazer é simples: se você soubesse que um carro que hoje custa R$ 100 passará a custar R$ 200 em dezembro, o que faria? Certamente compraria antes. O mesmo vale para o planejamento sucessório — é preciso agir antes que a carga tributária aumente.
Além disso, o planejamento sucessório organiza o negócio e o patrimônio para lidar com as diversas situações que podem surgir — divórcios, falecimentos ou rompimentos de união estável. Isso é importante para proteger o patrimônio familiar e garantir que ele permaneça na linha sanguínea. Sem um planejamento adequado, o risco de o patrimônio migrar para outras famílias é real.
Coopercitrus — Muitos produtores têm receio de entregar a gestão para os filhos ou netos. Como o senhor enxerga o papel da governança familiar para garantir que a fazenda continue bem administrada, mesmo após a transição?
Aires Vigo — O produtor que tem esse receio deve entender que, em algum momento, ele não estará mais presente. A melhor solução é organizar a gestão enquanto ele ainda está presente e ativo, pois é possível ajudar muito nessa transição com sua experiência, sabedoria e histórico de atividade. Muitas vezes, os filhos não têm vocação para o dia a dia do agronegócio, seja porque estão em outras áreas profissionais ou porque têm outros interesses. Nesse caso, o ideal é criar uma organização empresarial onde o filho, mesmo sem vocação para a operação direta, possa participar do Conselho de Administração e monitorar a gestão, contratando profissionais capacitados para gerir o negócio.
Se o produtor acha que o patrimônio não será bem gerido e pode se deteriorar após sua ausência, pode até considerar a venda do negócio e a posterior distribuição dos recursos financeiros. Embora não seja usual, é uma solução, pois um negócio mal gerido vai se deteriorar e se perder ao longo do tempo.
Coopercitrus — Que conselho o senhor daria para aquele produtor que está preocupado com o futuro da sua propriedade, mas ainda não começou a planejar a sucessão?
Aires Vigo — O primeiro passo é iniciar uma conversa franca com a família. O produtor pode explicar que o negócio é sólido, gera resultados e pode continuar sustentando as próximas gerações, desde que seja bem planejado. Ele deve convidar a família a discutir a criação de uma estrutura que garanta a continuidade do negócio, onde ninguém perde e todos ganham.
Após essa conversa inicial, recomendo procurar um profissional que possa auxiliar na organização societária e no planejamento sucessório. É importante levar em conta as habilidades e vocações dos filhos, além de identificar quem está mais disposto a se envolver no negócio e quem prefere outras atividades. Com essas respostas, o planejamento pode ser estruturado de forma a garantir a continuidade do negócio.
Se um dos filhos quiser sair do negócio, o planejamento sucessório deve criar mecanismos para que isso ocorra sem afetar a continuidade da empresa. Se não houver uma estrutura adequada, o filho pode vender sua parte facilmente, comprometendo a unidade do patrimônio. Um bom planejamento garante que o patrimônio seja protegido, mantendo o equilíbrio entre os herdeiros e preservando o legado familiar.