A crescente demanda global por carne bovina e o protagonismo brasileiro na produção de carne — seja pelo tamanho de seu rebanho comercial, seja por sua privilegiada condição climática e geográfica — têm estimulado cada vez mais o gestor do campo a adotar estratégias mais eficientes para o incremento de sua produtividade. Nesse sentido, o confinamento pode se mostrar uma estratégia viável e, em alguns casos, a única saída para a intensificação da produção de carne em razão da expressiva velocidade com que os animais ganham peso.
Contudo, buscar aumento de produtividade, sem se preocupar com a lucratividade do negócio, pode ser um descuido fatal na atividade. Por essa razão, na última safra, embora o preço da arroba estivesse em níveis elevados, inúmeros confinadores brasileiros amargaram prejuízos importantes em seus ciclos, os quais chegaram à ordem de incríveis R$ 1.500,00 de prejuízo por animal.
O confinamento de bovinos é uma estratégia de elevado risco pelos efeitos ambientais e sanitários; pela alta demanda de capital e conhecimento técnico envolvidos; pela baixa padronização genética, que gera consequências negativas no desenvolvimento zootécnico; e pelo elevado risco às variações de mercados, seja na aquisição de insumos e animais, seja no preço de venda.
Diante desse cenário, para a garantia de margens econômicas seguras, o gestor do campo não deve ficar à mercê de tantas variáveis complexas, pois decisões enviesadas no processo produtivo ou na comercialização (compra e venda) destroem, sem piedade, o valor do negócio, gerando efeitos que podem ser irreversíveis.
A boa notícia é a existência de diversas ferramentas de planejamento econômico à disposição do pecuarista e de estratégias de confinamento, as quais se mostram praticamente obrigatórias.
A primeira ferramenta tem impacto na produtividade e consiste em adotar tecnologias (sensores de pesagem e softwares especialistas na tomada de decisão), o que permite ao pecuarista, de forma preditiva (ou seja, olhando para uma projeção futura), identificar em suas baias os animais de alta ou baixa performance dentro da janela econômica de oportunidade.Essa ferramenta é de suma importância, pois a maior margem de lucro na atividade ocorrerá sempre que houver o maior descolamento entre a curva de custos e a curva de preços.
Mas se os preços são fatores incontroláveis, tanto os referentes às commodities relativas aos insumos para dieta quanto os para aquisição da reposição ou para venda do boi terminado, como poderia o confinador ser proativo e agir de forma positiva para tratar essa importante variável ao invés de ficar à sua deriva?
Nesse momento, emprega-se a segunda ferramenta, que estárelacionada a planejamento econômico, sendo um meio de proteger o pecuarista das oscilações de preços das commodities, como soja e milho, por exemplo, para a formulação da ração, e de lhe garantir uma posição de preço da arroba previsível durante o processo.
Tais ferramentas de proteção, comumente conhecidas no mercado por hedge (“cobertura” ou “safar-se”) se dividem em três modalidades distintas: a) mercado futuro;b) opções (call e put); e c) termo.
Mercado Futuro
O mercado de futuro do boi gordo é um exemplo de mercado de derivativos (ele fica à deriva do mercado físico do boi gordo). Nessa ferramenta, negociada na Bolsa de Valores (BM&F), contratos futuros de boi gordo (conhecidos pelo código de negociação BGI) são acordos de compra e venda em que se negocia a arroba de boi em uma data futura por um preço estabelecido na data presente. Sua cotação é estabelecida por moeda brasileira (R$) em arrobas líquidas e cada contrato consiste em 330 arrobas.
Os agentes desse mercado são os a) hedgers de compra (por exemplo, um frigorífico que deseja assumir uma posição de compra a um preço determinado para honrar uma exportação); b) hedgers de venda (os pecuaristas que negociam sua venda futura a preço estabelecido em data presente, protegendo-se de eventual queda futura de preços); ec)investidores (eles não precisam, sequer, ter o ativo físico boi, mas atuam como especuladores apostando na alta/baixa dos preços como qualquer estratégia de investimento em renda variável).
Do lado do confinador, a grande vantagem dessa ferramenta é o vendedor da posição futura poder ser um produtor que tem animais para vender nos próximos meses e precisar de segurança em relação às variações de preços para os meses seguintes. Ele tem animais na engorda e faz cálculos para apurar os custos da arroba que está produzindo. Com as informações de custo e preços futuros, ele pode fazer planejamento das suas atividades, pois tem o custo da arroba e o valor da arroba para os meses seguintes. Se os preços futuros estiverem maiores que os custos, ele pode fazer a venda no mercado futuro e, dessa forma, garantir rentabilidade, caso contrário, pode optar por reduzir sua produção ou repensar seu sistema de produção, uma vez que está produzindo com um custo maior do que aquele que o mercado está disposto a pagar.
A desvantagem da ferramenta é ela exigir um chamado depósito de margem de garantia,isto é, um valor que o mercado regulador exige da parte a fim de cobrir eventuais prejuízos na operação. Dessa forma, dependendo do número de contratos negociados, o pecuarista precisa manter um bom “caixa” como “garantia” dessa operação. A margem de garantia para contratos futuros do boi gordo (BGI) é de 3,34 %.
Opções
Outra ferramenta existente no mercado que pode ser utilizada para operações de proteção contra oscilações de preços é o contrato de opções de boi gordo. De acordo com a estratégia a ser adotada, o participante do mercado poderá fazer um contrato de opção de venda (put) ou de opção de compra (call).
Os pontos positivos ao se optar por essa ferramenta são: proteção contra a oscilação dos preços (hedge);mitigação do risco de base, evitando oscilações de preços não esperadas;dispensa de depósito de margem de garantia para posições titulares como dito na ferramenta anterior; e,após o pagamento do prêmio, a falta de fluxo de caixa referente aos ajustes diários para as partes.
Assim como no mercado futuro, o contrato de opções, compra ou venda, é sempre feito via corretora cadastrada na bolsa.
Mercado de Contrato à Termo
Além da opção do contrato futuro, há a possibilidade de o produtor vender sua produção ou parte dela para o frigorífico. Nesse caso, é feito um contrato de venda e compra entre as partes, por meio do qual o produtor se compromete a entregar uma quantidade de animais em determinada data e com valores pré-fixados.
Muitos produtores alegam que essa modalidade no mercado está formando a escala de abate na indústria e, assim, fornece “armas” para a estratégia do frigorífico. Essa modalidade é muito comum nos mercados de soja e milho, servindo para produtores que não querem correr os riscos de ajustes e gastos do mercado futuro.
Os pontos positivos do contrato a termo para o produtor são a segurança de receber o valor acordado e a transferência dos riscos para o comprador. Para a indústria, está a garantia da oferta. Paulo César Dancieri Filho, cofundador e CEO da BovExo, ébacharel em Direito e especialista em direito ambiental e desenvolvimento sustentável pela Fundação Escola Superior do Ministério Público. Possui MBA em Gestão Empresarial pela FGV e Certificação em Blockchain — Disrupção tecnológica pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology). Também atuou como promotor de justiça no Ministério Público do Estado de Mato Grosso.