Eduardo Sanches Stuchi
Eduardo Augusto Girardi
Embrapa Mandioca e Fruticultura
Os citros se caracterizam por ser um grupo composto por poucas espécies verdadeiras, sendo quatro consideradas como principais (Citrus medica, C. reticulata, C. grandis e C. micrantha). A partir dessas espécies, surgiram diversos híbridos naturais e tipos derivados (C. sinensis – laranjas, C. limon – limão, C. latifolia – lima-ácida Tahiti, entre outras). Isso se deu durante a evolução na natureza pelo cruzamento espontâneo entre as espécies principais e, depois, entre essas e os híbridos naturais que também cruzaram entre si, dando origem a todos os tipos de citros que conhecemos atualmente, dos quais apenas alguns são de importância comercial e ou alimentar. Há também dois gêneros de plantas muito próximas de Citrus: Poncirus trifoliata (trifoliata) e Fortunella spp. (kumquat), com os quais eles têm afinidade.
Desde quando o uso de plantas enxertadas prevaleceu como técnica de propagação, os porta-enxertos são espécies verdadeiras, como o trifoliata, ou híbridos naturais, como a laranja Caipira, a laranja Azeda (C. aurantium), os limões Cravo (C. limonia), Rugoso (C. jambhiri), Volkameriano (C. volkameriana) e Yuzu (C. junos), além do Alemow (C. macrophylla). Posteriormente, o melhoramento genético desempenhou um papel importante no desenvolvimento de muitos porta-enxertos de citros obtidos por meio de cruzamentos controlados (hibridações artificiais feitas pelo homem).
Esses cruzamentos tiveram início em 1893, quando começou o primeiro programa oficial de melhoramento genético de citros, coordenado pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), na Flórida, tendo à frente o Dr. W.T. Swingle. Ele se baseou no que ocorre na natureza, mas de forma controlada, isto é, escolhendo-se os pais e fazendo-se muitas polinizações entre eles. É algo parecido com o que se faz hoje na criação de gado: em vez de se deixar o touro cobrir as vacas livremente, usa-se o sêmen de um ou vários touros que têm as qualidades que queremos e escolhemos as vacas certas para serem inseminadas artificialmente para conseguirmos os melhores produtos. Dessa forma, o sêmen de um touro pode ser usado para inseminar várias vacas. É o que se chama de “choque de sangue”, com os indivíduos selecionados apresentando as melhores características dos parentais. No caso dos citros, o que se faz é algo mais ou menos parecido.
Embora seja notavelmente diferente de Citrus em quase todos os aspectos, Poncirus trifoliata hibridiza livremente com as espécies de citros. Devido à sua excelente resistência ao frio, foi usado desde o início do programa do USDA, porque as geadas eram o grande problema na época na Flórida. O programa se mantém há muitas décadas e, nesse período, muitos cruzamentos foram feitos entre o trifoliata e diversas espécies de Citrus. Desses trabalhos, surgiu uma série de híbridos bigenéricos: citranges (laranjas x trifoliatas), citrumelos (pomelos x trifoliatas), citrandarins (tangerinas x trifoliatas), citremons (limões x trifoliatsa), citradias (laranjas azedas x trifoliatas) e citrumquats (kumquats x trifoliatas), alguns dos quais são de grande importância comercial, como o citrange Carrizo (muito importante mundialmente, mas de pouquíssima importância no nosso país), bem como o citrumelo Swingle (talvez o mais importante no Brasil e no mundo atualmente).
Em 1967, o Dr. R.W. Hodgson, renomado pesquisador da Califórnia, já considerava os citrandarins como porta-enxertos promissores. Mais recentemente, vários citrandarins têm sido indicados como opções de porta-enxertos para o cultivo de citros no mundo. No Brasil, 38 deles foram introduzidos com base nos trabalhos do Dr. J.R. Furr, na Califórnia, EUA. Após sua introdução em 1964, esse conjunto de genótipos começou a ser estudado pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, IPEACS e IAC. Posteriormente, esses citrandarins foram testados extensivamente pelo IAC e pela Embrapa Mandioca e Fruticultura. Também foram produzidos novos citrandarins pela Embrapa e pelo IAC, neste caso em grande número (Tabela 1), tudo dentro de um processo de melhoramento longo (15 a 30 anos), custoso e trabalhoso. Nesses trabalhos, foram selecionados alguns citrandarins superiores para uso como porta-enxerto para as principais copas que cultivamos. Eles estão disponíveis após registro no RNC e atendimento às exigências das normativas gerais e de defesa fitossanitária (MAPA e CDA-SP) (Tabela 1).
Entretanto, quase sempre não é possível avaliar o desempenho de novos porta-enxertos em todas as situações de copa, manejo, solo e clima da nossa citricultura. Devido a isso e ao rápido incremento das áreas comerciais tendo citrandarins como porta-enxertos, alguns pontos que não tinham sido possíveis de se identificar nos experimentos e lotes de observação foram levantados com relação aos três citrandarins recomendados pela Embrapa Mandioca e Fruticultura (Índio, Riverside, San Diego) que foram importados originalmente da Califórnia. Para esclarecer algumas generalizações errôneas sobre o comportamento a campo em nível comercial, esse artigo apresenta informações as mais completas e atuais possíveis sobre esses três citrandarins.
Em São Paulo, Índio, Riverside e San Diego começaram a ser estudados pela equipe da Embrapa e colaboradores junto com outros 150 porta-enxertos em 2007, como parte do esforço na época para se encontrar porta-enxertos com resistência ou tolerância à morte súbita dos citros (MSC). O experimento localizava-se no município de Colômbia, região norte de São Paulo. Nesse município, é comum ocorrerem secas extremas e períodos de temperaturas do ar muito elevadas, além de ser área de ocorrência endêmica de MSC. Os três haviam sido avaliados na Bahia anteriormente por mais de 20 anos e se mostraram muito bons como porta-enxertos nos Tabuleiros Costeiros. A seguir (Tabela 1), apresentam-se as principais características desses três porta-enxertos com base nos estudos feitos em São Paulo e na observação de algumas áreas piloto no estado e regiões próximas. Tabela 1. Características dos Citrandarins Indio, Riverside e San Diego no Cinturão citrícola de SP e MG.
Tabela 1. Principais citrandarins indicados ou recomendados como porta-enxertos para citros em uso comercial na atualidade.