Embora já centenária e bem conhecida pelos citricultores, a leprose dos citros ainda causa preocupação e requer atenção constante nos pomares. De etiologia viral, a doença foi descrita inicialmente na Florida (USA) ao final do século XVIII e, posteriormente, na década de 1930 identificada no Brasil, em pomares da região de Sorocaba, SP, no Paraguai e na Argentina. Os sintomas são característicos de doenças por manchas anulares (ring spot) e típicos de vírus não sistêmicos, formando lesões cloróticas e/ou necróticas em folhas, frutos e ramos, locais onde ácaros infectados se alimentaram, podendo levar à perda total da planta (Figura 1).
Logo após sua identificação, foram realizados experimentos para responder as causas da leprose, tendo sido identificadas partículas virais nas plantas sintomáticas e associação constante com ácaros Brevipalpus, concluindo serem estes os vetores. Dada observação da variação de sintomas e suscetibilidade das espécies de citros à doença, foi sugerido haver diferentes estirpes virais como agentes causais.
A dispersão da leprose impôs a implementação de diferentes estratégias para controle da doença nos pomares, associando a poda dos tecidos sintomáticos com aplicações de caldas sulfocálcicas e/ou bordalesa, uso de moléculas acaricidas e inimigos naturais (para revisão Bastianel et al. 2010). Ainda assim, com o passar dos anos, a leprose dos citros ampliou sua ocorrência, estando presente em outros países da América do Sul e Central (para revisão Freitas-Astua et al. 2018). Atualmente, pode ser considerada um risco para citricultura mundial, após relatos de vírus associados com plantas de citros sintomáticas em localidades da África do Sul e Estados Unidos (Cook et al. 2019; Olmedo-Velarde et al. 2021).
Graças ao desenvolvimento de novos métodos e equipamentos, foram possíveis significativos avanços no conhecimento sobre os componentes causais da leprose e, nos últimos 15 anos, estes ganhos de informações permitiram entender alguns mecanismos desta peculiar interação planta-vírus-vetor. As ferramentas de biologia molecular possibilitaram o sequenciamento do genoma do vírus e do vetor predominantes nos pomares, bem como têm auxiliado na compreensão da genética funcional entre planta-vírus e, mais recentemente, da história evolutiva dos vírus causadores da leprose. Como resultado, comprovou-se observações da década de 1940, que de fato a leprose dos citros pode ter como agente causal diferentes vírus transmitidos por Brevipalpus (VTB), pertencentes à famílias e gêneros distintos.
As pesquisas possibilitaram, até o momento, a identificação de seis diferentes vírus causadores da leprose e, a depender de suas características, esses vírus são classificados em diferentes grupos (Figura 2). Assim, temos dentro da família Kitaviridae, gênero Cilevirus, dois vírus associados à leprose dos citros, o CiLV-C e o CiLV-C2. O primeiro é predominante nos pomares brasileiros e foi caracterizado em três isolados. No cinturão citrícola paulista e triângulo-sudoeste mineiro é prevalente o vírus CiLV-C isolado SJP (São José do Rio Preto); seguido pelo isolado CRD (Cordeirópolis) comum na região Central de SP; e o terceiro isolado do CiLV-C foi recém caracterizado como ASU (Assunção), identificado até momento apenas em material herborizado, datado de 1937, coletado no Paraguai (Chabi-Jesus, 2020). O outro vírus deste grupo Cilevirus, o CiLV-C2, foi identificado em plantas de citros na Colômbia, mas ainda não há relatos no Brasil.
Os outros quatro vírus associados à leprose foram encontrados em pomares domésticos e estão alocados na família Rhabdoviridae, gênero Dichorhavirus. O primeiro ficou conhecido como vírus da leprose do tipo nuclear (CiLV-N) e foi detectado no Brasil ainda na década de 1970, em investigações por microscopia. O segundo Dichorhavirus, o OFV (orchid fleck virus) originalmente descrito em orquídeas, foi posteriormente detectado como isolado diferente (OFV-citrus) em plantas de citros localizadas no México, Colômbia e África do Sul, mas ainda não encontrado em pomares brasileiros. Os outros dois VTB são de rara ocorrência, tendo sido identificados em citros, causando os mesmos sintomas típicos da doença: o CiBSV (citrus bright spot virus), encontrado nas regiões Sul e Sudeste e o CiCSV (citrus chlorotic spot virus), na região Nordeste (Chabi-Jesus, 2020).
A pergunta é, havendo tanta diversidade de vírus, o mesmo ocorre para com seus vetores? A resposta é sim! Com uso de microscopia de contraste de fase (DIC), e maiores magnitudes de aumento ocular (1000X), foi possível reconhecer diferenças morfológicas significativas nos ácaros Brevipalpus e associá-los como vetores dos diferentes VTB causadores de leprose (Figura 2). Assim, a partir de 2015 foi reconhecido que o então vetor da leprose, Brevipalpus phoenicis na verdade representa um grupo de 8 espécies (Beard et al. 2015).
Dentre estas, Brevipalpus yothersi tem sido dominante nos pomares de citros, podendo ser reproduzidos sem grandes dificuldades sob condições controladas e, sem dúvida, é o mais eficiente na transmissão do CiLV-C. Também Brevipalpus yothersi e uma espécie semelhante, Brevipalpus aff. yothersi, são atribuídas como vetores de CiCSV. Experimentos em laboratório demonstraram que Brevipalpus papayensis, mesmo com baixa eficiência, também podem ser vetores de CiLV-C.
Já o Brevipalpus. phoenicis sensu stricto tem baixa ocorrência, geralmente presentes em pomares não comerciais, localizados em regiões de clima ameno e baixas altitudes e, quando em laboratório, sua multiplicação é bastante custosa. No entanto, esta espécie tem íntima associação com vírus do tipo nuclear, sendo reconhecidos como vetores de CiLV-N e de CiBSV. Por sua vez, a transmissão de OFV-citrus foi atribuída ao Brevipalpus californicus, espécie distinta ao grupo phoenicis e no Brasil raramente encontrada em pomares de citros.
Acredita-se que as intrínsecas interações entre vírus e vetores felizmente configuram como limitações para a ampla dispersão e ocorrência de todos estes VTB associados à leprose dos citros. Porém, diante de tanta diversidade e com a possibilidade iminente de adaptações destes organismos frente às mudanças climáticas e de manejo diferenciado dos pomares, torna-se essencial detalhar os mecanismos genéticos envolvidos nestas interações. Neste sentido, o Centro de Citricultura Sylvio Moreira-IAC, em parceria com outras instituições de pesquisa, tem trabalhado fortemente em projetos buscando maiores avanços no conhecimento da leprose e seus componentes. Como perspectiva, estas informações permitirão traçar caminhos para o desenvolvimento de estratégias integradas ao controle da leprose dos citros, altamente desejáveis em um cenário futuro de sustentabilidade para toda cadeia citrícola.
Valdenice Moreira Novelli, Bióloga, Dr., Pesquisadora Científica do Centro de Citricultura Sylvio Moreira-IAC (CCSM-IAC), Cordeirópolis, SP.