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Os desafios e as oportunidades para o setor sucroenergético em 2024

Luiz Carlos Corrêa Carvalho

Luiz Carlos Corrêa Carvalho, conhecido como Caio, se destaca como um líder do agronegócio sucroenergético brasileiro. Engenheiro agrônomo formado pela ESALQ/USP, com pós-graduação em agronomia e administração pela Faculdade de Economia da USP e Vanderbilt University (EUA), Carvalho se é presidente da ABAG — Associação Brasileira do Agronegócio. 

Com mais de quatro décadas dedicadas ao setor, à frente da CANAPLAN — empresa de consultoria e projetos para o setor sucroalcooleiro — Carvalho é uma referência em informações sobre o mercado sucroenergético. Em entrevista exclusiva, ele compartilha sua visão sobre os desafios e as oportunidades que moldam o panorama da indústria para a safra 2024.

Coopercitrus – Como você avalia o atual cenário do mercado sucroenergético no Brasil? Quais foram os principais desafios enfrentados pelo setor nos últimos anos?

Caio Carvalho – Tivemos uma safra de cana espetacular em 2023, muito acima do que imaginávamos, com um aumento de 15 toneladas por hectare. O melhor resultado que já tínhamos visto no ponto de vista de produtividade e com produção recorde no Brasil. Entretanto, isso ocorreu de modo um pouco diferente da safra anterior, com preços um pouco menores, principalmente devido às intervenções do governo na economia — o que, pessoalmente, me causa apreensão. Essas intervenções ocorreram em meados de 2022, em virtude das eleições, e continuaram nesse governo até julho ou agosto de 2023. Estamos, portanto, lidando com os impactos nos preços do etanol. Porém, o açúcar continua em boa situação.

A verdade é que quando o mundo percebe uma produção tão grande como a brasileira deste ano, começam a circular notícias de que há açúcar em excesso, o que não é verdade. O Brasil tem capacidade limitada de exportação; nunca exportamos mais de 31 milhões de toneladas. Podemos ter uma produção grande, mas não conseguimos exportar. Atualmente, os preços do açúcar estão caindo no mercado internacional, mas ainda remuneram bem o produtor. O etanol continua abaixo das expectativas, com o custo de produção elevado, praticamente sem margem para o produtor. A expectativa é que os preços do barril de petróleo retornem para US$ 80 a US$ 85, pois o mundo desenvolvido está voltando a ter juros menores e a inflação está caindo, sinalizando uma normalidade econômica.

Coopercitrus – Diante desse cenário, quais são as perspectivas para a safra de 2024?

Caio Carvalho – Devemos ter uma queda na produção de cana, assim como nas safras de grãos, em virtude do clima. Contudo, a cana tem uma safra mais longa, que segue até o próximo ano. Quanto à safrinha do milho, ainda não sabemos como será, devido ao atraso no plantio da soja.

Milho e soja, juntos, competem com o açúcar pelos poucos portos que temos. No ano passado foi uma disputa ferrenha e exportamos o que foi possível. Neste ano a quebra na produção deve ser menor, proporcionando um pouco mais de espaço para o açúcar. 

De qualquer modo é importante lembrar que a Índia enfrenta questões climáticas e destinou parte da produção de açúcar para o etanol. 

A Tailândia e a Europa estão pressionadas pelo clima e não há áreas com condições climáticas ideais. Do ponto de vista dos fundamentos, não há preocupações para a safra 2024/25. No entanto, em relação ao clima, precisamos esperar. 

O que pode acontecer é que, se o mercado perceber que a produção no Brasil vai ter quebra, os preços podem subir da mesma forma que baixaram agora, já que o Brasil produziu mais. A grande variável é o clima. Se for mais seco, reduz a produtividade, mas melhora a qualidade. Se chover, aumenta a produtividade, mas cai a qualidade. A tendência é que o TCH (Toneladas de Cana por Hectare) seja menor em 2024/25 em comparação a 2023/24. A área deve ser praticamente a mesma e a média dos preços dos produtos somados tende a ficar um pouco menor. O mix tenderá a ser mais açucareiro e a produção de etanol de milho continuará a aumentar. 

É importante ressaltar que entraremos na safra 2024/25 com estoques maiores de açúcar e álcool. Portanto, devemos acompanhar se a safra se inicia mais cedo ou se atrasa. Isso será importante para a produtividade e preços. De maneira geral, além dos fundamentos, temos os fundos especuladores que venderam posições e ajudaram a derrubar os preços. Não foi só o clima, e não sabemos como eles reagirão no próximo ano. Provavelmente voltarão às compras, e nós ficaremos atentos para ver como a China soltará estoques ou se reabastecerá.

Coopercitrus – O recorde de produção de cana-de-açúcar na safra anterior impacta o potencial de investimento dos produtores e na adoção de tecnologias para aumentar a produção?

Caio Carvalho – Tivemos praticamente três safras positivas, o que resultou em uma redução do endividamento do setor. Em teoria, com as exportações, tivemos a possibilidade de estar preparados para investimentos na área de açúcar, com algumas unidades aumentando o mix açucareiro. A safra que termina em abril de 2024 deverá ter 49,2% do mix açucareiro, e a próxima safra, 50%. Não observamos investimentos em etanol, mas notamos investimentos em produtos novos, como biogás e biometano. 

Esses investimentos começam a ocorrer. De qualquer modo, entendo que o principal investimento nos últimos anos foi no canavial, o que explica as 15 toneladas a mais, graças ao uso de tecnologia. A otimização do uso de insumos agrícolas, a melhoria das operações agrícolas e as janelas mais corretas certamente ajudam esse aumento. Portanto, em 2024, entraremos com essa tecnologia afiada, com os investimentos normais e, agora, enfrentaremos os desafios climáticos.

Coopercitrus – A cana está perdendo espaço para outras culturas ou elas estão se integrando?

Caio Carvalho – A integração é a palavra mágica. A volatilidade na agricultura é a base das commodities, e, às vezes, os produtores optam por outras culturas. Na região de Jaboticabal, SP, por exemplo, percebemos que o produtor investe mais em soja ou amendoim e, posteriormente, volta para a cana. A alternância entre cana, soja e amendoim é um movimento comum. Não tenho dúvidas de que a integração não é só agroindustrial, mas também entre culturas. 

A grande descoberta que nós tivemos nos últimos anos é a importância do uso intensivo do solo no mundo tropical, que impulsiona a agricultura sequencial e a integração entre culturas. O Brasil lidera essa revolução verde, destacando-se na agricultura intensiva para atender à demanda alimentar e de energia renovável.

Coopercitrus – Como você vê o papel do etanol na matriz energética brasileira e na transição para uma economia de baixo carbono?

Caio Carvalho – Esse é um ponto importante que merece reflexão, especialmente após a COP (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas) de 2023, que foi impressionante. Um mês antes, estávamos correndo o risco de enfrentar a maior perda moral na política pública da história do mundo. O Acordo de Paris, que estabelecia que os grandes usuários de combustíveis fósseis deveriam pagar boa parte da conta, começou a tentar transferir essa responsabilidade para o uso da terra, pressionando países emergentes como Brasil, África e outros. Do ponto de vista estratégico, conseguimos reverter essa tentativa, e o Brasil foi muito afiado. Estou muito orgulhoso dos nossos representantes, que fizeram um belo trabalho.

Conseguimos esclarecer algumas linhas sobre o combustível fóssil. Ainda enfrentamos pressões dos países ricos devido ao protecionismo crescente. Como presidente da ABAG, montamos uma equipe que foi à COP 2023 e brigou pela causa em parceria com o governo, e fizemos um bom trabalho. 

A questão do carbono e o peso do Brasil nesse contexto são relevantes. Nós vamos seguir em frente com investimento em energia verde, com a valorização do combustível renovável, incentivo a montadoras que produzem veículos com energia renovável. Isso é excepcional do ponto de vista estratégico e esperamos que continue assim.

Coopercitrus – Como o setor sucroenergético contribui para o desenvolvimento socioeconômico nas regiões que está presente no Brasil?

Caio Carvalho – O agro contribui para diversas regiões do Brasil em que está presente. Um dos exemplos é que, em dois ou três anos, o Mato Grosso terá um índice de desenvolvimento humano maior que o do Sudeste. Isso é um forte indicativo da importância e relevância do agro, contradizendo o preconceito que muitos economistas têm em relação ao setor, rotulando-o apenas como produtor de commodities. Somos, na verdade, produtores de harmonia, fornecendo alimentos, que representam paz e equilíbrio.

Essa é a função do agro. No caso da cana, especificamente, quando olhamos para São Paulo, a cana está presente em praticamente todos os municípios, sendo a cultura predominante. Em Mato Grosso, a cana também é parte importante, juntamente com o milho, em uma flexibilidade de produção de etanol e açúcar. O agro representa 50% das exportações brasileiras, praticamente de um terço do PIB e quase um terço dos empregos no Brasil. Não temos que discutir o peso e a relevância; precisamos discutir como o poder público e privado podem colaborar para utilizar isso de maneira mais positiva. Com esse novo governo houve uma nova divisão no agro em vários ministérios e isso nos enfraqueceu. No entanto, precisamos reiterar que o peso e a relevância do agro não são só econômicos e ambientais, e sim principalmente sociais.

Coopercitrus – Como as cooperativas podem ajudar os produtores rurais a lidar com os desafios e aproveitar também as oportunidades desse mercado?

Caio Carvalho – A palavra-chave para o desenvolvimento brasileiro do agro é cooperativa. Isso não se aplica apenas a regiões já impactadas positivamente, como São Paulo, Paraná, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso. Prospectivamente, o grande desafio que temos no Brasil é conseguir reduzir a distância entre os mais pobres e os mais ricos. Essa disparidade traz um problema gravíssimo em todos os níveis e também faz o mesmo quando imaginamos o agro entre grandes e pequenos produtores. O papel das cooperativas é extraordinário, atendendo tanto grandes quanto pequenos e médios produtores.

A Coopercitrus é líder nesse campo, e há outras cooperativas como a Cocamar, no Paraná, que adota a Integração Lavoura-Pecuária (ILP) e realiza movimentos significativos, integrando regiões. Temos conseguido movimentos extraordinários com fluxo de ILP vindo para São Paulo do Paraná e um fluxo no café vindo de Minas para São Paulo.

O cooperativismo precisa se expandir para outros estados, como Rondônia, que tem grande potencial agrícola, mas ainda carece de cooperativas. As cooperativas têm a capacidade de manter equipe técnica e levar tecnologia aos produtores, sendo fundamental nesse processo. Percebo que todas as multinacionais de tecnologias e insumos estão muito ligadas às cooperativas e estão com as portas de abertas para os produtores, sejam pequenos ou grandes. Portanto, o papel das cooperativas tem que ser maior. Eu só entendo o crescimento do agro brasileiro com a participação ativa do cooperativismo, especialmente ao entrarmos em regiões pouco exploradas e pouco estruturadas agronomicamente. Nesse sentido, o papel do cooperativismo será essencial.

Coopercitrus – Qual conselho você daria aos produtores cooperados e empresários do setor canavieiro para se prepararem diante dos desafios e oportunidades que virão na próxima safra?

Caio Carvalho – Em primeiro lugar, é fundamental o apoio constante ao sistema cooperativista. A presença ativa, apoiando aqueles que coordenam e que fazem a governança das cooperativas, é fundamental. Estar presente é assegurar uma governança positiva. 

O segundo aspecto fundamental é fortalecer ainda mais o entrosamento das cooperativas com as entidades e associações de classe, como a ABAG, por exemplo, e outras que dependem significativamente de apoio. No meu caso, posso afirmar que conto com um apoio valioso do Márcio Lopes de Freitas, presidente da OCB (Organização das Cooperativas Brasileiras), e de outras entidades e cooperativas. É de extrema importância que as cooperativas estejam presentes, dando força para a produção agrícola. A agricultura é a nossa fábrica e todo o cuidado com ela será fundamental. 

O segundo aspecto fundamental é haver cada vez mais o entrosamento das cooperativas com entidades e associações de classe, como a ABAG, por exemplo, e outras que precisam demais desse apoio. Eu não posso reclamar, pois tenho um grande apoio do Márcio (Lopes de Freitas), presidente da OCB (Organização das Cooperativas Brasileiras) e das demais entidades e cooperativas. É muito importante a cooperativa estar presente dando força para a produção agrícola. Entendo que o carinho e a competência dos pequenos e médios produtores tem que ser atendido nesse país cada vez mais. O movimento cooperativista é fundamental nesse contexto.  Portanto, minha recomendação é cobrar uma presença mais efetiva, participar ativamente e trabalhar para que o governo compreenda que a questão vai além da política no âmbito do relacionamento com o Congresso. É fundamental ter políticas públicas voltadas para fortalecer o que representa a semente do futuro brasileiro: o agro.

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