A diretora global de sustentabilidade do grupo Natura & Co. para a América Latina e ex-presidente da Rede Brasil do Pacto Global da ONU, Denise Hills, compartilha sua visão sobre o papel essencial das soluções baseadas na natureza no agronegócio, destacando o compromisso da Coopercitrus com práticas sustentáveis. Com mais de três décadas de experiência no mercado financeiro e uma sólida trajetória na área de sustentabilidade, Hills discute a interseção entre as dimensões ambientais, sociais e de governança (ESG) e sua influência na agricultura. Em uma entrevista exclusiva à Revista Coopercitrus, ela explora como a inovação, a conscientização e a inclusão podem ser alavancas poderosas para impulsionar a sustentabilidade no setor agrícola.
Coopercitrus – Por que o conceito de ESG (Ambiental, Social e Governança) é importante para o agronegócio?
Denise Hills – ESG é uma sigla em inglês que engloba todos os impactos ambientais, sociais e de governança que geramos e sofremos. Quando estamos em uma empresa, as decisões que tomamos e como incorporamos essa perspectiva vão além do aspecto financeiro. Como podemos alcançar crescimento econômico e prosperidade ao mesmo tempo em que minimizamos os impactos ambientais de nossos negócios, escolhas e até mesmo de nossas vidas como a escolha de produtos? Por exemplo, o que compramos, como selecionamos e onde escolhemos viver também influencia. Os efeitos desses impactos no meio ambiente muitas vezes são evidentes: como utilizamos a água e como as emissões de carbono estão alterando a temperatura global. Isso afeta nosso modo de vida, a qualidade do ar que respiramos e até mesmo o desenvolvimento de culturas que podem prosperar em um local e não em outro devido a essas mudanças climáticas. É crucial ter consciência desses fatores, uma vez que cada um deles afeta nossa vida de maneira distinta. As considerações sociais também são fundamentais. Hoje, todas as atividades dependem das pessoas. Qual é a qualidade de vida delas? Como são tratadas? O modo como trabalhamos contribui para o seu bem-estar? A qualidade e resiliência dos recursos agregados estão moldando a economia, o país e o ambiente em que vivemos. Por que isso é tão importante? Atualmente, temos 7 bilhões de pessoas habitando o planeta. Enquanto tínhamos uma população menor, a natureza dava conta. Agora, com muito mais pessoas, estamos enfrentando limitações. A atividade humana precisa estar em equilíbrio com a natureza para continuarmos vivendo com qualidade, crescimento e com alimento. O nosso país tem muitas possibilidades de fazer e logicamente está conectado com qualquer decisão que tenha o agronegócio como uma dependência disso. Então, como podemos jogar a favor disso e como isso pode ser um valor ao invés de ser um risco? Isso não é mais opcional. Agora é preciso entender como funciona e operar a favor. Encontramos um jeito de prosperar e assegurar, por exemplo, o fornecimento de alimentos para milhões de pessoas. Mas agora é o momento de evitar desperdícios, ser mais racional no uso dos recursos naturais e pensar nos impactos na natureza. A agricultura é um negócio baseado na natureza e as soluções para esse novo movimento do ESG vem da inovação que está acontecendo; inclusive, o financiamento é para soluções baseadas na natureza. O nosso país tem muitas possibilidades nesse contexto e, logicamente, está interligado a qualquer decisão que tenha o agronegócio como parte dependente.
Coopercitrus – Quais são os principais desafios e oportunidades para o agronegócio em termos de ESG?
Denise Hills – O ESG foi o jeito que os investidores separaram a sustentabilidade para poder criar métricas. Separamos as coisas para estudar e medir, mas na vida e na natureza elas são interdependentes. Isso é uma questão de sustentabilidade, capacidade inclusive de gerar valor econômico, entendendo a dependência da sociedade e dos recursos da natureza e colocando os negócios para gerar valor econômico, social e ambiental positivo. Isso se soma a um movimento que é mais regenerativo, inclusivo e contemporâneo, pertencente ao nosso tempo. O tempo que vivemos sem pensar nisso foi muito bom, mas agora não é mais uma realidade. Ninguém amanhece o dia pensando: “Nossa, tenho que cuidar do ESG”. Mas, intuitivamente, já estamos fazendo escolhas que envolvem produtos com menor impacto ambiental, evitando a produção de resíduos que possam poluir a água ou o solo. Hoje as pessoas questionam como os produtos são produzidos, como o alimento chega à sua casa ou onde vão parar esses resíduos. Isso representa uma oportunidade. As pessoas no mundo inteiro estão falando disso e cada país tem problemas diferentes. O Brasil tem uma pauta de exportação agrícola importante, com forte participação no PIB e um grande volume de terras agricultáveis. A primeira coisa é saber como a sua safra ou seu negócio será impactado. Mas, se a pessoa já é adepta das boas práticas, é importante saber mensurar esses resultados, o crescimento, a qualidade, a produtividade, se os recursos naturais melhoram, se o solo melhorou, se esses modelos são os mais resilientes. Apesar de não haver muitos financiamentos visíveis ainda, os modelos baseados em soluções naturais possuem amplas oportunidades. No setor financeiro, investir em negócios fundamentados na natureza e que promovam aspectos ambientais e sociais positivos é considerado extremamente inovador e contemporâneo. Quanto mais empresas se envolverem nisso, especialmente em grupos cooperativos, mais fácil será para essas cooperativas pleitearem financiamentos desse tipo. Nunca se falou tanto em soluções ancoradas na natureza e em bioinsumos. Por exemplo, em vez de construir uma estação de tratamento de água, a Coopercitrus apoia a restauração de nascentes. Como conseguimos isso? Ao entender como a natureza gera água e utilizando esse conhecimento a nosso favor. Hoje, o próprio setor agrícola está gerando soluções para combustíveis, plásticos e outros produtos derivados do agro. Garantir a saúde da natureza e sua restauração, especialmente para aqueles que estão intimamente ligados à agricultura, não é apenas importante, mas também essencial – talvez seja a atitude mais eficaz e econômica a ser tomada. Gosto de pensar que quem está no agro está mais próximo da natureza e entende a importância e a dependência dela. Talvez as pessoas que vivem nas cidades precisam acordar para o tema. Este é o desafio: apresentar essa perspectiva ao setor financeiro, levando esse valor a outras empresas. Essa conexão e proximidade facilitam a compreensão e oferecem oportunidades.
Coopercitrus – A conscientização no setor abriu novas formas de fomentar a sustentabilidade. A troca de nomenclatura do aquecimento global e efeito estufa ajudou as instituições financeiras a incentivarem essas novas ações de sustentabilidade? Como você enxerga a integração entre práticas sustentáveis e retorno financeiro no contexto do agronegócio?
Denise Hills – Há 10 anos, morando em São Paulo, as pessoas costumavam comprar lareiras. Hoje, compram ar-condicionado. Percebemos essa mudança, mas não havia medidas e padrões estabelecidos. Agora, a discussão sobre questões ambientais ocupa cada vez mais o centro das atenções. Antes, o tema estava nos suplementos de sustentabilidade dos jornais. Hoje eles dominam a primeira página e são destaque no Jornal Nacional. A discussão de nossas florestas como fonte de desenvolvimento, bem como uma nova fronteira de crescimento que integra sistemas em harmonia com a natureza, ganhou maior relevância. Quem irá financiar a economia estará atento a essas questões, pois elas representam riscos reais. Financiar um projeto sem compreender plenamente o impacto das mudanças climáticas na região afetada exige que os bancos se informem sobre esse capital para lidar com os riscos. Ao compreender o cenário, a resposta não precisa ser a suspensão do crédito, mas sim a concessão de um crédito mais adequado à região. Esse pode ser o modelo mais resiliente, em vez de traduzir a melhoria do financiamento. Essa conscientização está presente no investidor. Cada vez mais, os investidores buscam investimentos rentáveis que não os coloquem no risco de acordarem pela manhã com o susto de que seu investimento passou por algum desastre ambiental, ou que um trabalho com condições sociais não aceitáveis impactou esse capital e ele não recebeu. A inovação e os investimentos têm migrado para esse enfoque, fazendo com que o setor financeiro esteja mais atento a riscos que agora são quase obrigatórios e oportunidades simultaneamente. O melhor antídoto para isso é ajustar os negócios de modo que os bancos valorizem essa abordagem. Hoje, é preciso responder a uma série de perguntas relacionadas ao clima, produtividade e práticas sustentáveis para assegurar o sucesso, a segurança, a participação e a regeneração no campo. Quem recebe investimentos precisa estar alinhado com essa tendência. Tudo isso resulta em rentabilidade, e quanto melhores forem as respostas, menor será o risco, maior o ganho de capital e os bancos poderão oferecer taxas de juros mais vantajosas e prazos de pagamento mais flexíveis. Isso está acontecendo no mundo todo e o Brasil tem muitas oportunidades, com investidores colocando capital em empresas que compreendem essa nova visão de futuro. O Brasil tem recebido muitos fundos internacionais para preservação, uma vez que as soluções baseadas na natureza auxiliam na captura de carbono. Existe toda uma arena que faz o dinheiro reagir e se comportar com essa consciência. Essa abordagem é nova e, à medida que olhamos para o futuro, é provável que encontremos menos do que é familiar hoje e mais dessas inovações. Essa é nossa nova maneira de viver. Agora, discutimos como e quando essa transformação ocorrerá, e o setor financeiro está extremamente atento a isso. Hoje, essa agenda coloca o Brasil em destaque como quem recebe financiamentos internacionais, destacando sua agricultura de baixo carbono, soluções baseadas na natureza e sua coexistência com a preservação florestal, que por sua vez promove eficiência e produtividade. A única coisa que não aconselho é acreditar que essas práticas serão trabalhosas. Tenho um amigo do mercado financeiro que sempre diz: “Em tempos de crise tem pessoas que choram e tem pessoas que vendem lenços”; gosto mais da segunda opção. É melhor se adaptar. Esse é um dos tipos de investimento que mais cresce nesse setor e empresas alinhadas com uma economia mais limpa, verde e inclusiva estão recebendo mais financiamentos do que os negócios tradicionais.
Coopercitrus – A inovação desempenha um papel fundamental na busca por soluções sustentáveis. Como você vê a inovação tecnológica influenciando positivamente a sustentabilidade no agronegócio?
Denise Hills – Como faço o agro hoje? Utilizando água de maneira sustentável, pensando no solo mais regenerável. Isso é mais do que adaptação, é uma inovação mais próxima do nosso dia a dia. Mas tem outras ações que estão começando a aparecer: são justamente as novas moedas aparecendo no mundo da natureza e uma delas é o carbono. Hoje, o carbono é um problema que aquece nosso ambiente, mas pode se tornar uma nova fonte de renda e impulsionar a agricultura de baixo carbono. Capturar carbono no solo por meio de práticas agrícolas mais eficientes praticamente gera um novo produto. Existem várias inovações acontecendo nesse campo, incluindo certificações verdes e produtos que ganham competitividade internacional por demonstrarem qualidade não apenas do produto em si, mas também seu impacto ambiental e social. Isso demonstra que o negócio tem um propósito e se preocupa com questões ambientais e sociais. Esses selos representam um compromisso com a qualidade do que chega às prateleiras e às casas dos consumidores. Recentemente, ouvi um exemplo sobre produtores de leite na Austrália que exportam para a China, um grande mercado. Eles conseguem vender o leite a preços até 100 vezes mais altos do que o orgânico, devido à consciência de que esse leite australiano provém de terras mais bem cuidadas e menos contaminadas. Isso é um selo de qualidade. A ideia de comércio justo, com condições de trabalho dignas e impacto ambiental positivo, já indica que o consumidor está escolhendo o produto. Para as empresas, isso significa melhores preços, mais acesso a mercados nos quais não participavam anteriormente, prazos de pagamento mais vantajosos e maior segurança no negócio. São diversas as inovações que aumentam a eficiência, como o uso de energia limpa gerada pelo sol. A inovação ocorre tanto na adaptação quanto na mitigação dos efeitos adversos, na descoberta de novas formas de energia, captura de carbono e adoção de novas moedas que se transformam em sustentabilidade. Esses selos garantem que sua produção esteja antenada com o que há de mais moderno e consciente, podendo resultar em novas fontes de renda. A biodiversidade continuará sendo uma fonte de inspiração para novos produtos e serviços — por isso é essencial compreendê-la, assim como reconhecê-la como uma parceira da agricultura e uma inspiração para a inovação. Deveríamos considerar pagamentos por serviços ambientais como novas formas de moeda, levando em conta o valor que a floresta ou a preservação da água trazem para uma cidade. Isso é um novo tipo de riqueza. No Brasil, temos exemplos disso. Em uma cidade, fizemos uma parceria com produtores locais que possuíam terras próximas a nascentes. Pagamos para que eles as preservassem, o que aumentou o fluxo de água na cidade. Agora temos mais água limpa, melhores condições climáticas e dedicamos parte da terra a esse serviço. Essa ação se tornou uma política pública. Existem muitos exemplos semelhantes e eles continuarão a surgir. A inovação está nessa abordagem. Não é necessário que todas as prefeituras sigam o mesmo caminho; algumas podem optar por construir estações de tratamento a um custo mais elevado e com maior impacto. Porém, grupos como a Coopercitrus podem propor soluções alternativas. Em geral, as soluções baseadas na natureza são mais eficazes e extremamente necessárias neste momento. E a Coopercitrus está muito envolvida nesse movimento.
Coopercitrus – Como você vê o papel das mulheres no agronegócio e como a participação mais ativa pode contribuir para impulsionar a sustentabilidade nas atividades rurais?
Denise Hills – Não vejo nenhuma razão para fazer um negócio que não funcione para metade do mundo, pois a metade da população mundial são mulheres. Isso é válido inclusive no contexto das soluções climáticas, onde ocorre um cruzamento de pautas — clima, diversidade e inclusão dos direitos humanos. Mudar ou acelerar a agenda de soluções baseadas na natureza e de resiliência às mudanças climáticas, por meio do empoderamento das mulheres, é crucial. Caso contrário, estaríamos excluindo metade do mundo das soluções. Não vejo nenhuma razão pela qual as mulheres não deveriam estar envolvidas. Embora esse talvez não fosse o cenário mais comum, eu mesma sou um exemplo disso, participando de atividades que tradicionalmente eram consideradas masculinas. Entretanto, esse paradigma já ficou para trás. A diversidade como um todo tem a participação da mulher: ela soma, traz um olhar diferente, e temos que entender que o diferente não é errado. O diferente muitas vezes amplia o olhar para alguma coisas que não somos capazes de enxergar. Ignorar as contribuições das mulheres seria um desperdício no contexto atual, no qual precisamos da contribuição de todos e das habilidades que vão além do valor econômico. Essas habilidades englobam o cuidado, a garantia do bem-estar, da longevidade, da qualidade e do valor dos negócios. São habilidades que atraem mais mulheres e pessoas em geral, gerando mais interesse e abrindo portas para novas possibilidades. Ao somar diversidade, não nos limitamos ou excluímos; na verdade, expandimos horizontes. Um mundo melhor para as mulheres é, sem dúvida, um mundo melhor para todos. Não tenho dúvidas. A representatividade é relevante e o fato de nascer com o gênero A ou B não determina a capacidade de participar nos negócios. Eu diria até que tal fato agrega à capacidade de negócios, conferindo uma abordagem mais abrangente, inclusiva e verdadeira. Vemos cada vez mais exemplos de mulheres inspiradoras em um mundo onde todos têm o direito de participar e de empregar seus melhores talentos. Isso é fundamental, e fico imensamente satisfeita ao observar esse movimento. Essa mentalidade tem uma essência de cuidado, aprendizado e criação de vidas, características frequentemente associadas ao feminino. A razão central é que esse é um mundo que deve ser construído para todos — e se metade desse mundo é formado por mulheres, ainda está faltando a outra metade no mundo dos negócios. É isso que estamos vendo acontecer.
Coopercitrus – Qual é o seu conselho para as empresas do agronegócio que desejam se tornar mais sustentáveis?
Denise Hills – Dar muito valor a esse conhecimento e sentir orgulho de ter essa consciência. Talvez, lá atrás, as pessoas pudessem até ser conscientes, mas isso não rendia dinheiro. Hoje é o contrário. Portanto, é preciso ter essa consciência e se posicionar a favor, aplicando isso na prática e ampliando o seu negócio. Isso dá resiliência e a capacidade de manter o negócio ao longo do tempo. A segunda coisa é alinhar o seu negócio a esses valores, implementar novas abordagens, aprender e medir os resultados. Quanto mais rápido fizer isso, melhor. O conhecimento não ocupa espaço. Ele desocupa espaços e os preenche com novos entendimentos. Com o acesso a esse conhecimento e a compreensão dele como um valor, seu negócio cresce. Hoje, já podemos sentir esse impacto. Quando vejo um negócio que não sei de onde vem, o que é, me questiono se faz bem, de onde vem… As novas gerações estão chegando aos novos postos de gestão e estão chegando às prateleiras dos supermercados, decidindo o que será comprado ou não e quem será eleito ou não. Essa transição vai continuar a acontecer. Quem estiver fazendo negócios baseados na natureza vai entender esse valor e ser advogado deste valor. Principalmente, porque pode; segundo, porque a outra opção não é mais possível. E, em terceiro lugar, porque isso traz valor para você, seja no almoço de domingo em casa, seja na conversa com a cooperativa ou com o banco e que te aproxima daquilo que irá acontecer. A boa notícia é que as pessoas que nasceram sob um paradigma diferente terão vidas mais longas. Quanto mais gente tivermos nessa arena, talvez tenhamos que lidar com menos custos, riscos e perdas que não nos afetam diretamente, mas afetarão o país como um todo. Quanto mais espalharmos essa consciência, mais rápido iremos progredir e mais seguros vamos estar. Isso ocorre através de convencimento, conhecimento, convicção, colaboração e muitas vezes até por um sentimento de comprometimento. Essa mudança não é opcional. Na verdade, é uma das melhores coisas que você pode fazer ao acordar de manhã. Talvez seja algo que você já esteja fazendo, mas pode fazer ainda mais.