As cooperativas agropecuárias são grandes aliadas no fortalecimento dos produtores rurais e no desenvolvimento do agro. Com vasta experiência no mercado financeiro, Luiz Roberto Baggio é coordenador nacional do Ramo Agro da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) e diretor-presidente da Cooperativa Bom Jesus, sendo reconhecido por sua liderança e habilidades estratégicas, que impulsionaram o crescimento das cooperativas no Paraná.
Nesta entrevista exclusiva para a Revista Coopercitrus, Baggio fala sobre o Plano Safra 2023/24 e como a união entre cooperativas pode contribuir para o fortalecimento da agricultura brasileira.
Coopercitrus – O acesso ao crédito rural é uma preocupação constante para os agricultores. Qual é sua opinião sobre o Plano Safra 2023/24?
Luiz Roberto – O Plano Safra de R$ 364,2 bilhões destina R$ 272 bilhões para custeio e comercialização e R$ 92 bilhões para investimento. O volume é 34% superior ao anunciado na safra passada e é o maior da série histórica. O VBP (Valor Bruto da Produção Agropecuária) no Brasil passa de R$ 1,2 trilhão. Portanto, estamos falando de 30% da necessidade de crédito que a agricultura nacional precisa. Temos o maior volume de recurso, o que é positivo, mas o nosso país está aquém do volume de recurso necessário para atender às necessidades de crédito da produção bruta. As taxas de juros permaneceram iguais. Evidentemente, o governo está mais concentrado no antigo programa ABC, que agora é o “Renovagro Ambiental” e “Renovagro Demais”. O nome mudou, mas há uma redução de 0,5% nas taxas de juros em relação ao ano passado. Esse é o esforço do governo e das lideranças para beneficiar os que praticam a sustentabilidade. É importante que as pessoas entendam que os produtores realizam muitas iniciativas sustentáveis como geração de energia limpa, reflorestamento, manutenção de florestas nativas, programas de conservação de nascentes, ILPF (Integração Lavoura, Pecuária e Floresta) e uso de bioinsumos. A Coopercitrus trabalha muito para aumentar a produtividade, incentivando o uso adequado de insumos e a redução das emissões de gases de efeito estufa, com foco nas práticas sustentáveis. O governo reconhece a importância disso e oferece benefícios para quem reduz as emissões de CO2. Para a agricultura familiar, que é o foco das cooperativas, foram disponibilizados R$ 71,6 bilhões, um valor superior ao do ano passado, com taxas um pouco mais atrativas que variam de 2% a 5%. Ainda esperamos que os limites do Pronaf (Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar) sejam aumentados de R$ 500 mil para R$ 750 mil, o que proporcionará uma melhor adequação à DAP (Declaração de Aptidão ao Pronaf). Um aspecto do Plano Safra que não está de acordo é a alocação de recursos para subvenção do prêmio do seguro rural. Uma agricultura forte como a nossa necessita de seguro e nós precisamos ampliar esses recursos. Estamos trabalhando nesse ponto e solicitamos R$ 24,8 bilhões para equalização, mas parece que conseguiremos entre R$ 14 bilhões e R$ 15 bilhões. O aumento dos recursos destinados à poupança rural e à LCA (Letra de Crédito do Agronegócio) foi aceito. A fonte de recursos melhorou, mas é necessário equilibrar e oferecer juros mais adequados.
Ouça a entrevista completa no CooperCast!
Coopercitrus – Quais são as principais dificuldades dos produtores e qual o papel das cooperativas na obtenção de crédito?
Luiz Roberto – As cooperativas desempenham um papel fundamental ao ajudar os produtores a terem acesso ao crédito para adquirir tecnologias, assistência técnica e projetos de custeio. Outro aspecto é o enquadramento dos produtores nas questões de sustentabilidade, identificando a melhor alternativa de acordo com suas necessidades de custeio ou investimento. No entanto, existem alguns desafios. O primeiro deles é a falta de armazenagem. Atualmente, o Brasil enfrenta um déficit de armazéns; e construir novos para armazenar a safra é uma atividade cara e inviável. As cooperativas assumem essa responsabilidade e constroem armazéns quando viável, dependendo das taxas de juros e da viabilidade econômica. Portanto, é necessário revisar a médio e longo prazo os programas Procap (Programa de Capitalização de Cooperativas Agropecuárias) e Prodecop (Programa de desenvolvimento cooperativo para agregação de valor à produção agropecuária), que são direcionados para esse propósito. O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, assim como o ministro Paulo Teixeira, compreendeu essa necessidade durante uma live que realizamos com eles. É importante que o governo se sensibilize, pois essa é uma questão estrutural e estratégica em muitos países. O segundo desafio é que as cooperativas devem estar atentas à expansão dos investimentos nas indústrias. Isso também requer taxas de juros adequadas e a longo prazo, pois as cooperativas estão se industrializando e fazendo investimentos significativos em setores como carnes, suínos, aves, soja, entre outros. Esses dois aspectos exigem muita atenção, revisão, discussão de alternativas e recursos. As cooperativas são um vetor importante para impulsionar a industrialização e a armazenagem.
Coopercitrus – As cooperativas também têm um papel importante como balizadoras do mercado. Qual é sua visão sobre esse assunto?
Luiz Roberto – O nivelamento de preços, o balizamento, o apoio ao produtor e a segurança proporcionada pelas cooperativas são extremamente importantes e constituem seu diferencial. No setor agrícola de todo o mundo há uma concentração de grandes players e grupos corporativos. Se essa concentração continuar sem a presença das cooperativas, os produtores ficarão à mercê desses grandes grupos. O balizamento é o respaldo para o produtor, pois a cooperativa o protege.
Coopercitrus – Quais são suas perspectivas para o setor agrícola? Quais são as demandas que devem ser consideradas para os produtores?
Luiz Roberto – As perspectivas são boas. Talvez não no nível de preços dos últimos quatro anos, mas devemos analisar o agronegócio a longo prazo. Nos últimos 10 anos, observamos que os agricultores fizeram investimentos de R$ 1,5 milhão na compra de máquinas agrícolas e esses investimentos se tornaram sucata. No entanto, se esse mesmo valor fosse investido no mercado imobiliário, não se tornaria sucata. O risco e a necessidade de investimento na agricultura são muito altos, mas o mundo precisa continuar sendo alimentado. Portanto, é necessário considerar o risco e os altos investimentos na agricultura nos próximos anos. As cooperativas desempenham um papel importante no mercado, contribuindo para o avanço tecnológico, a conectividade, a escala empresarial, a negociação e o acesso a mercados viáveis. Com a industrialização, as cooperativas crescerão e se unirão cada vez mais, pois não adianta dizer: “Sou a melhor cooperativa“ ou “Estou entre as melhores cooperativas do Paraná“. Se estivermos sozinhos, isso não será representativo. A história nos ensinou que o cooperativismo é uma questão de união e a cooperação entre cooperativas está acontecendo cada vez mais. Recentemente recebemos o pessoal da Cogeca, que representa as cooperativas de alimentos da Europa, em um fórum que promovemos. A Europa tinha a estratégia de ter uma parte do suprimento de alimentos do leste europeu na Polônia e na Ucrânia. No entanto, devido à guerra, o fornecimento de alimentos se tornou difícil e a demanda voltou-se para o Brasil. Esse é um mercado importante que exige sustentabilidade. As cooperativas estão preparadas para orientar seus produtores a oferecerem produtos com reconhecimento internacional. Vejo as cooperativas como o principal vetor de transferência de tecnologia, aumentando a produtividade e a viabilidade do negócio agrícola.
Coopercitrus – Como você vê a sucessão na agricultura, com a chegada dos novos produtores rurais?
Luiz Roberto – Nos últimos anos nós observamos uma mudança de comportamento em nossa região. Os jovens estão permanecendo mais no campo, algo que não acontecia antes. O agronegócio se tornou popular, com muitas pessoas dizendo “eu sou do agro”. O mais importante é que as pessoas estão gostando de ficar no campo. Portanto, é importante ter uma estratégia de sucessão com base jurídica e considerar como preservar o patrimônio, levando em conta diferentes interesses, como o número de filhos, se todos ficarão na propriedade, a disponibilidade de espaço etc. As cooperativas podem e devem contribuir com seus associados nesse processo.
Coopercitrus – Os novos produtores rurais estão aderindo ao cooperativismo, compreendendo seu valor e a importância das cooperativas?
Luiz Roberto – Sim, um percentual significativo está aderindo e compreendendo o valor das cooperativas. O cooperativismo não é algo imediato, mas sim uma construção. Um dos princípios do cooperativismo é a formação, capacitação e educação. Portanto, precisamos formar uma equipe forte e estamos investindo na capacitação desses jovens. Nesse sentido, também reconhecemos o trabalho da Coopercitrus nessa área.